quinta-feira, 26 de junho de 2008

As orações dos outros

O post introdutório do Igor, com sua oração pela unidade cristã, me lembrou um assunto sobre o qual tenho pensado bastante ultimamente: a estranheza, a sensação de algo bizarro, fora de lugar, que temos quando deparados com (ou participando de) cultos, cerimonias ou reuniões de outros grupos religiosos. E particularmente, grupos dentro do cristianismo. Posso estar falando por mim mesmo, pode ser provincialismo meu, pode ser que todos vocês tem reações completamente diferentes da minha, mas em geral me sinto mais estranho assistindo, por exemplo, uma missa na televisão do que assistindo o Dalai Lama falando numa entrevista (aparições públicas ao lado de celebridades sendo, afinal, o exercício espiritual máximo do budismo tibetano). Riam, se quiserem, mas acho o silêncio de um culto numa igreja batista mais conspícuo do que a gritaria de um terreiro. E acho que sei o motivo.

Existe um termo na robótica e na animação, "uncanny valley", ou "vale estranho", que designa o sentimento de revulsão que pessoas tem perante robôs ou animações que tem aparência quase humana. A teoria é que se um desenho ou um robô é cartoonish e irreal, comicamente desproporcional ou fofo ou propositalmente diferente de um ser humano, mas antropomórfico o suficiente para parecer uma pessoazinha, nossos olhos são atraídos pelas similaridades entre o robô e a figura humana, e isto gera simpatia pelo pedaço de lata. Mas chega um ponto onde a semelhança com seres humanos fica tão próxima que a nossa mente deixa de focar nas similaridades e passa a olhar para as diferenças, e de repente as incongruências e bizarrices do robô nos são repelentes. Por exemplo:



Johnny 5 de "Um Robô em Curto Circuito": Bom.



Esta abominação feita (onde mais?) no Japão: MAU.

E eis o problema do uncanny valley religioso. Um cristão pode olhar para, digamos, um budista meditando ou um muçulmano rezando em seu tapetinho e dizer "Hum. Estão errados." sem qualquer desconforto (exceto, talvez, pelos olhares de reprovação do muçulmano e do budista). Mas é estranho estar numa missa, ver um padre pregar da mesma Bíblia que você prega, tirar conclusões parecidas com as suas, e então- no meio, sem provocação ou motivo aparente- jogar a Virgem Maria no meio, ou terminar sua homilia invocando São Francisco. Vejo ícones ortodoxos, e quase consigo sentir o fedor doce de incenso e velas queimando lentamente, e patriarcas de longas vestes pretas e barbas abraãmicas dançam em minha cabeça, e a estranheza de que estas pessoas adoram o mesmo Cristo Jesus do que eu me faz ficar um pouco tonto. As similaridades são tantas que, de repente, as diferenças começam a gritar, e você começa a pensar que o anglicano com quem você está conversando deve acreditar também em pirâmides, e cristais, e em karma, e em poder kundalini. Se bem que com anglicanos, ultimamente, nunca se sabe.

Mas há um consolo nisto tudo. Esta estranheza é indicativa de proximidade, não de distância. Nossas discordâncias podem ser flagrantes e notáveis, mas são como manchas vermelhas num grande lençol branco de crença comum. E creio que podemos, cobertos por esta mesma fé, nos aproximar um dos outros, e nos fortalecermos e nos alegrarmos, e regozijarmos, na variedade que existe entre nós.

Até, é claro, um conseguir convencer o outro; ou se aproximar o suficiente do outro pra dar um golpe bem acertado de Bíblia em sua cabeça e arrastá-lo pro seu lado. Vocês esperavam o quê?

Bem, de qualquer forma, um brinde aos meus amigos estranhos, com suas orações estranhas e suas doutrinas estranhas, celebradas em seus cultos estranhos por seus líderes estranhos nas suas igrejas estranhas. Espero que a bizarrice dure por muito tempo ainda.

Nenhum comentário: