Existe um termo na robótica e na animação, "uncanny valley", ou "vale estranho", que designa o sentimento de revulsão que pessoas tem perante robôs ou animações que tem aparência quase humana. A teoria é que se um desenho ou um robô é cartoonish e irreal, comicamente desproporcional ou fofo ou propositalmente diferente de um ser humano, mas antropomórfico o suficiente para parecer uma pessoazinha, nossos olhos são atraídos pelas similaridades entre o robô e a figura humana, e isto gera simpatia pelo pedaço de lata. Mas chega um ponto onde a semelhança com seres humanos fica tão próxima que a nossa mente deixa de focar nas similaridades e passa a olhar para as diferenças, e de repente as incongruências e bizarrices do robô nos são repelentes. Por exemplo:
Johnny 5 de "Um Robô em Curto Circuito": Bom.
Esta abominação feita (onde mais?) no Japão: MAU.
E eis o problema do uncanny valley religioso. Um cristão pode olhar para, digamos, um budista meditando ou um muçulmano rezando em seu tapetinho e dizer "Hum. Estão errados." sem qualquer desconforto (exceto, talvez, pelos olhares de reprovação do muçulmano e do budista). Mas é estranho estar numa missa, ver um padre pregar da mesma Bíblia que você prega, tirar conclusões parecidas com as suas, e então- no meio, sem provocação ou motivo aparente- jogar a Virgem Maria no meio, ou terminar sua homilia invocando São Francisco. Vejo ícones ortodoxos, e quase consigo sentir o fedor doce de incenso e velas queimando lentamente, e patriarcas de longas vestes pretas e barbas abraãmicas dançam em minha cabeça, e a estranheza de que estas pessoas adoram o mesmo Cristo Jesus do que eu me faz ficar um pouco tonto. As similaridades são tantas que, de repente, as diferenças começam a gritar, e você começa a pensar que o anglicano com quem você está conversando deve acreditar também em pirâmides, e cristais, e em karma, e em poder kundalini. Se bem que com anglicanos, ultimamente, nunca se sabe.
Mas há um consolo nisto tudo. Esta estranheza é indicativa de proximidade, não de distância. Nossas discordâncias podem ser flagrantes e notáveis, mas são como manchas vermelhas num grande lençol branco de crença comum. E creio que podemos, cobertos por esta mesma fé, nos aproximar um dos outros, e nos fortalecermos e nos alegrarmos, e regozijarmos, na variedade que existe entre nós.
Até, é claro, um conseguir convencer o outro; ou se aproximar o suficiente do outro pra dar um golpe bem acertado de Bíblia em sua cabeça e arrastá-lo pro seu lado. Vocês esperavam o quê?
Bem, de qualquer forma, um brinde aos meus amigos estranhos, com suas orações estranhas e suas doutrinas estranhas, celebradas em seus cultos estranhos por seus líderes estranhos nas suas igrejas estranhas. Espero que a bizarrice dure por muito tempo ainda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário