quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Um Fevereiro

O livro está disponível para download aqui.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A OBAMINAÇÃO DA DESOLAÇÃO DIZ



TODAS AS SUAS BASE SÃO PERTENCE A NÓS

domingo, 9 de novembro de 2008

BARACK OBAMA É O ANTICRISTO

Não, é claro que eu não creio que Barack Obama é o anticristo, ou será o anticristo, ou até mesmo poderia se tornar o anticristo. Mas todo o mundo o ama tanto... como resistir irritar algumas pessoas?

Por esse motivo, pelos próximos quatro anos (ou, se Barack Obama realmente não for o anti-cristo, pelos próximos oito), me esforçarei ao máximo para convencê-los de que Barack Obama realmente é o anti-cristo. Vai ser divertido, vai irritar algumas pessoas que estão triunfantes e alegres demais por todos os motivos errados (e mesmo se os motivos forem os certos, abraçar um negro estranho na rua por causa da eleição do Obama não é viver a história, sua mulherzinha), e além do mais, vai gerar visitas ao blog via google. (Olá, fãs de HIGHSCHOOL MUSICAL LOLITA ORANGUTANGO)

Esta vai ser, a propósito, a única explicação oficial da piada. De agora pra frente, de cara séria e olhar convicto, vocês me verão denunciar o segundo filho da perdição, a besta do apocalipse, o inimigo dos justos: Barack Obama. Igor, Éber, Gustavo: vocês estão convidados pra participar da cruzada. Vocês também, leitores, enviem sugestões sobre porque Obama é o anticristo.

As regras do jogo serão as seguintes:

1) Todas as acusações precisam ser sérias, ponderadas, e pelo menos minimamente plausíveis. Isto é, precisam ser motivos pelos quais Obama poderia pelo menos talvez ser o anticristo.

2) Todas as acusações precisam ser baseadas em reportagens legítimas de fatos reais. Nada de notícias inventadas.

3) Todas as acusações precisam ser estritamente tongue-in-cheek; nada de entregar a brincadeira e confessar que você não acredita que o Obama é o anticristo.

4) Todos os posts da série estarão marcados com o singelo tag "barack obama é o anticristo", porque a simplicidade é a virtude mais importante de qualquer bando desmascarador do grande enganador.

5) Quaisquer referências bíblicas que possam apontar para a anticristidade de Barack Obama podem e devem ser citadas repetidamente.

Quaisquer outras regras ao jogo que me ocorrerem serão caprichosamente adicionadas mais tarde. Prepararei meus primeiros argumentos contra Barack Obama, futuro escravizador da humanidade e inimigo do santíssimo Deus, e postarei, ao mais tardar, amanhã. Por enquanto- caso queiram saber minha opinião sobre ele- acho que será um bom presidente. Se querem saber minha opinião sobre o estardalhaço sendo feito sobre sua eleição, vejam isto.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Trick or Treat

Pra quem não sabia, 31 de Outubro, além de ser o dia das bruxas, é também o dia da reforma. Seja qual for sua causa de celebração, salut. Eu, pessoalmente, estarei aqui celebrando os 491 anos da maior e melhor pegadinha de Halloween de todos os tempos.

Se quiserem ver as traduções dessa gravura (na qual Lutero e Satanás estão aparentemente preparando uma caldeirada), cliquem aqui.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Carta aberta ao History Channel

Querida History Channel,

Sabe, sempre gostei de você. Você sempre foi mais interessante do que os outros canais educativos. Enquanto o Discovery Channel passava algum programa idiota sobre um homem tentando sobreviver sozinho no mato, e o Animal Planet passava um especial sobre papagaios, lá estava você com um documentário contando a história de Catarina a Grande, ou a Guerra de 1812, ou as cidades de veraneio da pérsia antiga. Aprendi mais sobre a segunda guerra mundial com você do que de praticamente qualquer outra fonte. Lembra de nossas tardes juntos, eu com um saco de pipoca fresco do microondas, você com um especial sobre as invasões mongóis, ou sobre as primeiras expedições ao polo norte?

Meu Deus, History Channel, o que aconteceu conosco? O que aconteceu com você?

Lembro da primeira vez em que senti você se afastar de mim. Foi uma maratona de Maravilhas Modernas. History Channel, History Channel, pra que fazer um programa sobre maravilhas tecnológicas atuais? Deixe isso pro Discovery Channel. Deixe isso pra Cultura. Você merece mais do que um programa sobre tratores e elevadores e máquinas de pinball. Você poderia estar passando um programa sobre os sumérios, sobre a unificação da Alemanha sob Bismarck, mas prefere passar Maravilhas Modernas. Sabe qual foi o tema do Maravilhas Modernas de hoje? Água. Sim, água. Não sobrou mais NADA do mundo moderno para com que se maravilhar, você teve que falar sobre água como se isso fosse lá tema para um programa com esse nome? Porque não fazer um programa sobre argila, hum? Ou sobre árvores. "Maravilhas Modernas: Árvores, novas tendências em."

E então começaram os programas que tem NADA a ver com história. Você tem dois- sim, dois- programas distintos sobre OVNIs. Vocês tem um programa na terça-feira sobre mistérios na história que uma vez teve uma edição- você acha que esqueci, mas nunca esqueço- sobre a teoria de que existe um pequeno buraco negro no triângulo de bermudas que come os navios que passam por ele. E o Caminhoneiros do Gelo? E O Universo? Você era o canal de história, era o canal que falava de civilizações antigas e batalhas famosas, e passou a ser o canal da nerdice chata, o canal de especiais sobre tecnologia, máquinas idiotas e maravilhosas inovações modernas como água. Quem te viu, History Channel, quem te vê.

Não tente se desculpar. Eu sei que você não me ama, sei que seu coração pertence a todos os idiotas que gostam de ver programas falando sobre OVNIs e fax-modems. Sei que você tem seus motivos. Sei que você precisa viver, precisa comer, se vestir, educar seus filhos; e pra isso, precisa vender aqueles produtos idiotas (meu Deus, quão idiotas são) dos comerciais do Polishop que passam nos seus intervalos. Nunca comprei um Juicer Walita, porque pelo preço de uma geringonça daquelas eu poderia comprar umas trezentas caixas de suco; e eu quase nunca tomo suco, se comprasse trezentas caixas teria um estoque que duraria a vida inteira, e ainda sobrariam litros e litros de Del Valle de goiaba pro funeral.


Sua ordinária, R$899 pra fazer SUCO?!
Não comprei, nem comprarei, aquele limpador que remove sujeira usando vapor, porque me parece óbvio que, se usado no Amazonas, um produto que cobre tudo com jatos de vapor faria minha casa apodrecer sob uma camada espessa de mofo. Nem comprarei aquela escada maluca que você anda vendendo ultimamente, porque quem precisa de uma escada que vira um banquinho ou uma mesa? Eu já tenho banquinhos e mesas. Sei que você tem motivos financeiros para preferir as pessoas idiotas desse mundo, que querem pagar centenas de reais para fazer suco ruim em suas casas cobertas de mofo e vapor. Sei que são os idiotas que pagam as contas, e por isso eles tem preferência na programação.

Mas History Channel, eles não tem querem como eu te quero! Onde eles estavam quando você só passava documentários sobre a segunda guerra mundial e a grécia antiga, e repetidos ainda por cima? Onde eles estavam ás 3 da manhã, assistindo reprises de suas superficiais mas bacaninhas dramatizações históricas? Eles estavam editando artigos de wikipédia e concorrendo a cargos burocráticos em departamentos públicos, e lendo Rosa Luxemburgo sublinhando e fazendo notinhas ao lado do texto, e assistindo Star Trek em DVD. Eles não são cool que nem eu. Eles não te entendem como eu te entendo, eles só estão esperando chegar o Sci-Fi Channel no pacote de tv por assinatura deles para te abandonar para sempre. Estarei aqui por enquanto, mas não posso esperar para sempre. Volte pra mim, History Channel, e abandone suas traições sensacionalistas para sempre. Eu te amo.

Aguardando sua resposta com o coração na garganta,

João Lemos dos Santos

terça-feira, 14 de outubro de 2008

A educação laica das famílias sem filhos

Enquanto boa parte das famílias ocidentais começa a achar muito bonito passar a vida sem se preocupar com essa inconveniência que as antigas, primitivamente, consideravam a maior benção que poderiam receber, o futuro da humanidade parece encaminhar-se cada vez mais para as mãos dos que ainda vêem esse velho hábito de gerar filhos, muitos filhos, como inegociável — que são os religiosos. No entanto, para evitar a tragédia anunciada, isto é, para evitar que o mundo seja tomado por novas gerações de crianças educadas por pais fundamentalistas, já que eles mesmos, os moderninhos, negam-se a povoar a terra com crianças esclarecidas desde o berço, crianças que, a depender do zelo de alguns, nunca chegariam a acreditar em Papai Noel, perceberam que deveriam exigir a marginalização de qualquer educação infantil que não fosse a deles, que não fosse «laica», e que não ensinasse, afinal, o que eles não ensinariam aos próprios filhos, caso os tivessem. De modo que não querem simplesmente deixar de tê-los — uma vez que eles nada fazem além de impedir que jovens casais vivam com conforto em apartamentos de apenas um quarto e se dediquem a suas promissoras carreiras —, mas querem, além disso, regular o conteúdo da educação dos que os têm.

[Publicado originalmente aqui.]

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A propósito

O João, autor do ótimo post logo abaixo, é o sujeito mais improvável do mundo. Nascido em Pindamonhangaba, morador de Manaus, membro da Assembléia de Deus — ele é, além ou apesar de tudo isso, inteligente. Eu mesmo começaria a suspeitar de sua inexistência, se o Igor já não o tivesse conhecido pessoalmente.

domingo, 12 de outubro de 2008

Carta aberta ao povo de São Paulo

Queridos paulistanos,

Tenho visitado bastante sua cidade nestes últimos mêses. Grandes sebos. Bons (e relativamente baratos) restaurantes. Uma população apenas moderadamente rude e assustadora, considerando o tamanho da cidade. Clima frio e cinza, certo, mas sei que vocês pouco podem fazer sobre isso, exceto talvez relocarem, em massa, para Pernambuco. E o metrô! Ah, eu amo o metrô, poderia passar horas andando de metrô, pulando de estação a estação, atravessando o centro com um só bilhetinho.

Vocês podem rir de mim. Sei que eu, pobre pindamonhangabense que apenas recentemente voltou de seu exílio babilônico para seu lar no Amazonas- sim, lá tem floresta. Sim, macacos também. Não, não na minha casa. Nem onças. Nem tartarugas. Só cachorros, gatos, etc. Não, não comemos cachorros, gatos, etc. Agora shhh, deixem-me continuar. Sei que eu, pobre caipira pindamonhangabense que sou, que fica impressionado com os prédio e os carro e os metrô, que acha passear pela rodoviaria do Tietê uma aventura e caminhar pela praça da Sé uma pequena expedição antropológica- sei que eu não tenho o direito de palpitar na cidade de vocês. Mas permitam-me fazer um pequeno pedido, uma pequena exortação, e voltarei quietinho para meu canto, comendo minha tigelinha de miojo e estudando o livro de Daniel.

Sei que muitos de vocês querem votar na Marta Suplicy, e sei que vocês tem bons motivos para fazê-lo. Ela é loira, bonitona num panela véia kinda way, tem aqueles oclinhos Sarah Palin e mãozinhas manicuradas. Ela era sexóloga, e portanto tem o treinamento necessário para compreender e lidar (e ora convenhamos, simpatizar) com a população mais depravada do Brasil. O presidente apoia sua candidatura, e sei que vocês depravados gostam dele também. Enfim, são todos bons motivos; mas por favor, não votem nela. Porque? Por causa deste homem:


Isso mesmo, Marta Suplicy escolheu como vice Aldo Rebelo, o segundo político mais maluco do Brasil- o político realmente mais maluco do Brasil sendo, é claro, Geraldo Alckmin, o tucano que trabalhou desesperadamente para que Lula vencesse a última eleição presidencial. Sim, Aldo Rebelo, o homem que tem como sonho impor o português como a única língua usada publicamente no Brasil, o que acabaria por proibir vocês de usarem seu adorável patois paulistano. O homem que processou o Millôr por ter lhe chamado de idioleto, achando que estava sendo chamado de idiota. O homem que quer instituir o dia do Saci-pererê, visando substituir o famoso feriado americano, Martin Luther King day. O homem que proibiu que fossem instaladas catracas eletrônicas nos ônibus e bombas de auto-serviço em postos de gasolina, impedindo assim que cobradores de ônibus e atendentes da Shell pudessem fazer um trabalho mais adequado ao seu nível intelectual, como ensinar sociologia ou linguística nas universidades brasileiras, ou serem candidatos a vice-prefeito da cidade de São Paulo. Fixem seus pensamentos na pessoa de Aldo Rebelo.
Agora: Marta Suplicy aplicará todos os seus charmes femininos sobre o presidente Lula, que inevitavelmente sucumbirá e a nomeará como sucessora. Imaginem Marta Suplicy abandonando a prefeitura de São Paulo para concorrer á presidência. Imaginem Marta Suplicy vencendo quem quer que o PSDB lance como candidato (se conseguiram perder depois do mensalão, eles conseguem perder para qualquer candidato, sob qualquer circunstância). Agora imaginem Aldo Rebelo esfregando suas mãos entusiasticamente e tirando do bolso de trás seu caderninho de planos estúpidos. Imaginem Aldo Rebelo fazendo uni-duni-tê sobre suas anotações para decidir a qual projeto estapafúrdio ele sujeitará a cidade primeiro. É isso que vocês querem? Perguntem a si mesmos: se Marta Suplicy não estivesse concorrendo, se fosse Gilberto Kassab versus Aldo Rebelo, vocês votariam mesmo para trocar de prefeito?
Sei que o Gilberto Kassab é detestável, anti-carismático e etc. Eu não duvido, acredito em tudo o que dizem de ruim sobre ele. Aposto que ele é satanista, vegetariano, e secretamente zoófilo, também. Mas lembrem: um voto para Marta é, na realidade, um voto para Aldo Rebelo. Vocês estarão colocando o traseiro insano de Aldo Rebelo no trono de São Paulo. Pensem nisso, paulistanos.
Abraços cordiais,
João Lemos dos Santos

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Aguardo vossos agradecimentos

O João exigiu-me um post para ainda hoje. Ei-lo, com a brevidade do costume, apenas para informar aos mais despercebidos sobre a existência deste blogue.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Escolhas

A vida é uma sucessão de escolhas. O curso da sua vida vai de acordo com aquelas que você faz e também, em grande parte, com as que as pessoas ao seu redor fazem. Mas como cada segundo é diferente do outro, a gente nunca, nunca, nunca pode saber o que teria acontecido caso você tivesse feito uma escolha ao invés de outra, e mesmo que no futuro você converta o seu caminho, já não é a mesma coisa caso você houvesse feito esta escolha em primeiro lugar. Isso é meio assustador porque quando você tem duas ou mais opções de caminho na sua frente, escolher uma delas significa se tornar totalmente ignorante a respeito do que seria a sua vida caso você escolhesse outra coisa. É uma responsabilidade muito grande, mas que nós enfrentamos dia após dia.

Eu falo isso porque acabei de tomar uma decisão importante na minha vida. Decidi que não quero ser um empregado e pedi demissão do meu trabalho. Desde ontem não trabalho mais na empresa onde estava e voltei a ser freelancer. O pior é que eu devo ser o freelancer mais despreparado da área. Não tenho muitos contatos, não estou com projetos engatilhados nem nada, mas tudo isso tem um propósito. Mais do que viver de freelas eu quero construir algo meu. Quero ser dono do meu sustento. Devido ao quadro atual do Brasil, às vezes eu me pergunto se não sou o cara mais estúpido, mas daí eu penso: nááá... E fica tudo bem :)

Mas por que eu estou escrevendo isto aqui? Poderia escrever isto no meu blog pessoal ou qualquer coisa assim, num é? Bom, escrevo aqui porque gostaria que vocês orassem por mim. Para que Deus possa me ajudar neste novo caminho e me guie, até mesmo se eu tomei a direção errada, que eu tenha forças para voltar e mudar. Conto com vocês nesta minha nova caminhada e que o impacto desta escolha possa ser positivo na minha vida e na vida daqueles que me cercam. O bom é que agora eu vou ter tempo de blogar com mais calma, e este é só um primeiro post desta "Nova Era" (tcharã - não que isso seja realmente super lega né?).

Muito obrigado a todos e nos vemos por aí! Abraços efusivos!

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Deuses que nunca conheceram

Fiquei surpreso de perceber, ao ler o livro de Jeremias imediatamente após ler o livro de Isaías, o quanto mais perverso e cruel se tornou o povo de Judá durante a vida de Jeremias. Os pecados da elite política, econômica e sacerdotal de Judá durante o ministério de Isaías (cujas acusações poderiam ser resumidas como "Vocês ignoram os pobres! Abandonaram ao Senhor! São gananciosos e hipócritas! Não me consultaram quanto a decisões de política externa! E bebem demais!") são quase triviais quando comparados com os sacrifícios humanos e a pura audácia blasfema da geração posterior, que ergueu altares aos deuses cananeus no templo do Senhor.

Nas palavras de Jeremias, relatando a mensagem de Deus, "Para minha ira e para meu furor me tem sido esta cidade, desde o dia em que a edificaram até ao dia de hoje, para que a tirasse da minha presença, por todas as maldades que os filhos de Israel e os filhos de Judá fizeram, para me provocarem á ira; eles e os seus reis, os seus príncipes, os seus sacerdotes e os seus profetas, como também os homens de Judá e os moradores de Jerusalém. E viraram para mim as costas e não o rosto; ainda que eu os ensinava, madrugando e ensinando-os, eles não deram ouvidos para receberem ensino. Antes, puseram seus abominações na casa que se chama pelo meu nome, para a profanarem. E edificaram os altos de Baal, que estão no vale do filho de Hinom, para fazerem passar seus filhos e suas filhas pelo fogo a Moloque, o que nunca lhes ordenei, nem subiu ao meu coração que fizessem tal abominação, para fazerem pecar a Judá." (Jer. 32:31-35)

As palavras são chocantes se cremos que vem de Deus. Vemos o Deus onisciente dizendo que nunca imaginou, que nunca sequer lhe ocorreu, que "nem subiu ao meu coração" que o povo chegaria a sacrificar suas próprias crianças. Deus rejeitando seu próprio templo, chamando-o friamente de "a casa que se chama pelo meu nome". Enquanto a maioria das acusações em Isaías eram feitas contra os que estavam no poder, em Jeremias todo o povo está sob condenação, por pecados literalmente inimagináveis para gerações anteriores. "Porquanto me deixaram, e profanaram este lugar, e nele queimaram incenso a outros deuses, que nunca conheceram, nem eles, nem seus pais, nem os reis de Judá; e encheram este lugar de sangue de inocentes."

O que torna esta situação especialmente espantosa é seu contexto; a geração de Jeremias era a primeira em duas gerações a ter um rei que banisse a religião cananéia. Josias (cujo avô Manassés, roga a tradição, serrou o profeta Isaías ao meio) liderou uma reforma incrível do culto a Javé, destruindo os altares de Baal e restaurando o Templo. Quando Deus diz que o povo oferecia incenso e crianças vivas a deuses "que nunca conheceram", Ele não está exagerando; está notando que aquela geração tinha sido criada num contexto religioso incontaminado pelas barbaridades do culto cananeu. O que me deixa assustado.

Isso me deixa assustado porque não consigo deixar de ver uma relação causal entre o avivamento do culto a Deus sob Josias e a profundeza redobrada de paganismo e holocausto humano ao qual seus descendentes mergulharam. Quem sabe esse gusto com que Judá buscou deuses como Moloque se devia ás conversões forçadas de gerações anteriores, que talvez não foram inteiramente sinceras. Quem sabe C.S. Lewis estava certo quando disse que os grandes pecadores são feitos do mesmo material que os grandes santos, e que portanto a geração criada na maior santidade em sua juventude necessariamente se tornaria legendariamente depravada caso se apostatasse. O próprio Jesus descreve um princípio parecido em Lucas 11:24-26, dizendo que quando um espírito imundo que fora anteriormente expulso volta para "visitar" seu velho hóspede e encontra-o preparado para ele ("varrida e adornada", como se esperando sua chegada) ele volta e traz consigo mais sete espíritos piores do que ele; "e o último estado daquele homem é pior do que o primeiro."

Nós evangélicos somos orgulhosos de nosso crescimento numérico. Gabamo-nos do avivamento que infla nossas igrejas, e declaramos altamente que "O Brasil é de Jesus!" Muito bem, realmente é boa coisa que o evangelho tenha sido pregado em tantos lugares, para pessoas que nunca o consideraram sériamente antes. Mas tenho medo, medo real, que se não solidificarmos nossas igrejas, se não investirmos em educação cristã para leigos nas igrejas, se não consolidarmos nossas conquistas neste país- enfim, se não edificarmos os que já estão na igreja ao invés de apenas buscar novos convertidos- sinto que nossas vitórias terão sido em vão. Esta geração evangélica é maciçamente uma de convertidos; se não tivermos cuidado, a próxima será uma apenas de nascidos-na-igreja; e a próxima depois será uma de apóstatas e céticos. Ou nos preocupamos hoje em consolidar os que já estão na igreja-sem negligenciar o evangelismo, é claro- ou começamos quando for tarde demais; e já teremos perdido uma geração para o mundo. Se você acha a cultura brasileira ímpia e carnal hoje, imagine uma cultura brasileira pós-cristã.

A geração de Isaías, neta e bisneta de pagãos e falsos adoradores, foi avarenta e indulgente consigo mesma. A geração de Jeremias, criada no Templo ouvindo a Lei, foi espetacularmente cruel e perversa. Os demônios do povo voltaram sete vezes mais fortes após sua apostasia. Que isto nos sirva de aviso e lição.

domingo, 21 de setembro de 2008

Take that, Bento XVI.

Existe um acordo tácito entre protestantes e católicos que crêem que o outro lado não está indo (necessariamente) para o inferno: que o outro lado é salvo apesar de suas heresias, baseado naquilo que tem em comum com nosso lado (você sabe, o nosso lado, o do cristianismo verdadeiro). Assim, o Igor diz que sou salvo porque meu batismo foi, de certo modo, válido, e que sou membro da Madre Igreja mesmo sem reconhecê-la como Madre e just barely como Igreja. Assim eu digo que Igor foi salvo pela graça de Deus operando em seu espírito mediante a fé, e isto é provado por sua submissão ao Senhor. Cada um considera o outro um enganado, mas não um apóstata; um herége, certo, mas um irmão herége. Neste cessar-fogo surgem momentos de apreciação verdadeira pelas qualidades do outro lado, e admiração até pelas virtudes gastas em vão. Quando o rei Alfred lança seu tesouro aos pés da aparição de Maria e implora a ela por respostas ("Mother of God" the wanderer said, "I am but a common king, and not will I ask what saints may ask, to see a secret thing."), a cena é comovente não apenas por causa das circunstâncias desesperadas e urgentes de Alfred, mas por sua devoção real á Mãe de Jesus.

E é por isso que fiquei tão espantado com minha reação a um DVD de um pastor assembleiano que se converteu ao catolicismo. O homem (não direi seu nome aqui) listou como principal motivo de sua adesão ao catolicismo o culto da Virgem, e isto (eu prometo) não me fez automaticamente hostil. Mas ao relatar com sua vozinha ovina sua conversão- sua visão num sonho de uma mulher que, acredita ele, é Santa Isabel; sua defesa de imagens; sua adulação contínua de Maria e do papa; sua invocação de anjos (que quando ocorre nas igrejas pentecostais é misticismo e bobagem, mas nas igrejas católicas é diferente, é chamar São Miguel e São Gabriel); sua indignação e surpresa de que a Assembléia de Deus não aceitaria em sua convenção um homem que cultuasse santos; tudo isto me irritou bastante, e confesso que fiquei surpreso com isso. Não justifico minha irritação, mas aqui não estava um católico que, apesar de seu catolicismo conhecia a fé verdadeira; aqui estava um homem que conhecia a fé verdadeira, e então mergulhou de cabeça em tudo aquilo que a reforma deixou para trás, abandonando sua fé nas Escrituras para confiar na voz de homens. Eu senti uma indignação não apenas doutrinária, mas cultural, emocional, pessoal. Se você é ateu ou agnóstico, imagine sua reação perante um físico que abandonou sua confiança na ciência e se tornou mórmon após ver uma imagem de Jesus numa torrada.

E entendi, pela primeira vez, a raiva que alguns católicos tem contra as igrejas protestantes. Desde que nasci as Igrejas evangélicas só fazem crescer, com novos-convertidos oriundos, na maioria dos casos, da igreja Católica; e descobri que ver a defecção de um do seu lado é um espetáculo amargo. Mas ainda darei um troco nos católicos; vou converter o Igor ás Assembléias de Deus. Take that, Bento XVI.

sábado, 20 de setembro de 2008

lado “b”

Não é sem um pouco de constrangimento que venho avisá-los de mais uma mudança, desta vez definitiva. Como os amigos reclamassem unanimemente de seu fim, resolvi resgatá-lo. O lado “b” da minha mente está de volta.

Seppuku Espiritual

É curioso como, especialmente com a moda da batalha espiritual, o conceito da palavra de Deus como espada tem ganho popularidade. Em Efésios 6:17 Paulo chama seus leitores a tomarem "A espada do Espírito, que é a palavra de Deus", então a idéia da Palavra como um instrumento, como uma arma empregada contra o engano, é realmente válida. O problema é que esta passagem isolada não é o único uso deste conceito que encontramos na Bíblia. A idéia da Palavra cortante já existia bem antes de Paulo usá-la; de fato, bem antes da palavra em questão ser, necessariamente, a Palavra de Deus.

Ao falar de um companheiro traiçoeiro, Salmo 55:21 diz, em típico modo paralelístico, "Sua fala é macia como a manteiga, mas guerra está em seu coração; suas palavras são mais brandas que o azeite, todavia são espadas nuas." Esta imagem é repetida pelos salmos e em Provérbios: as palavras do do enganador, do blasfemador e do tolo são descritas como lâminas cortantes. "Eis que eles dão gritos com a boca; espadas estão em seus lábios." "Eles afiaram a sua língua como espadas; e armaram, por suas flechas, palavras amargas." "Há alguns cujas palavras são como pontas de espada, mas a língua dos sábios é saúde." Em todas estas passagens a palavra-como-espada é a palavra de engano e de escárnio; o rumor divisivo, o insulto humilhante, a mentira agradável aos ouvidos mas duplamente destrutiva. Segundo Tiago, a língua desregrada "contamina todo o corpo, inflama o curso da natureza, e é inflamada pelo inferno."

A palavra de Deus, por outro lado, é descrita desde o início como possessora de poderes criativos; Deus cria o universo ex nihilo com sua palavra, e sustenta toda a criação "pela palavra de seu poder." E como Pedro explica, este poder criativo da palavra opera na própria salvação, "Pois fostes de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela Palavra de Deus, viva e que permance para sempre." Agora, o homem é incapaz de realmente criar ou destruir qualquer coisa, e pode apenas usar suas palavras (e mais qualquer habilidade que ele possua)para manipular seu ambiente; suas palavras podem apenas enganar ou consolar. Onde a palavra do homem é tentativa, porém, a palavra de Deus é absolutamente, esmagadoramente eficaz, e cumpre seu propósito não por seu mérito em convencer alguém de alguma proposição, mas simplesmente por ser a expressão da vontade de Deus. Assim, se a Palavra de Deus tem poder irrestrito para criar, seu poder destrutivo é de igual maneira ilimitado. O Servo do Senhor tem uma boca "como uma espada afiada". O Apocalipse de João diz que Jesus, vindo em poder e juízo, "segurava sete estrelas em sua mão direita, e da sua boca saía uma aguda espada de dois gumes; e o seu rosto era como o sol, quando na sua força resplandesce." "Arrepende-te, pois! Ou em breve virei a ti, e contra eles batalharei com a espada da minha boca." "E da sua boca saía uma aguda espada, para ferir com ela as nações; e ele as regerá com cetro de ferro, e ele mesmo é o que pisa o lagar do vinho do furor e da ira do Deus Todo-poderoso." "E os demais foram mortos com a espada que saía da boca do que estava assentado sobre o cavalo, e todas as aves se fartaram das suas carnes."

Agora, alguns dirão que não podemos identificar esta palavra criativa (em Gênesis) e destrutiva (em Apocalipse) de Deus com a Bíblia em si, com estas palavras no papel que tenho em cima da mesa; e estão certos, são palavras diferentes, em ocasiões diferentes, para missões diferentes. Mas o Deus por trás de ambas é o mesmo; o poder mortificante e destrutivo da palavra Bíblica existe assim como seu poder vivificante, e a prova disto está em Hebreus 4:11-13. Ao falar do repouso que Deus tem para seu povo, e contrastando os que o rejeitaram com os que o terão na eternidade, o autor adverte: "Procuremos, pois, entrar naquele repouso, para que ninguém caia no mesmo exemplo de desobediência. Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais penetrante que qualquer espada de dois gumes, e penetra até à divisão da alma, e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração. E não há criatura alguma encoberta diante dele; antes, todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar."

Com duas alternativas pela frente- entrar no repouso ou receber o castigo da desobediência- o homem é confrontado pela Palavra de Deus; e a Palavra surge como uma força neutra ao homem, como um agente de juízo, como uma espada que destrincha o homem interiormente e expõe seus pensamentos, suas emoções, seus planos, suas desculpas. As defesas, os esquemas, as justificativas; todas as cascas anteriores são despidas, e a mente do homem é atingida diretamente pela revelação de Deus. A Palavra é, simultaneamente, a Escritura que aponta o caminho para o repouso de Deus e a espada que sai de sua boca, pronta para matar o velho homem para que o novo surja. A semente corruptível é destruída para que seja gerada a semente incorruptível, "pela Palavra de Deus, viva e que permanece para sempre."

E aqui está o ponto a que quero chegar: enquanto nós falamos da "Espada do Espírito" como algo que aplicamos ás idéias de outros, a própria revelação fala da Palavra como algo com que Deus nos fere, como a espada que nos retalha e expõe nossa podridão interior. Quando lemos a Bíblia, não somos meramente edificados; somos perfurados. Perfurados para que aquilo que temos dentro de nós seja exposto e destruído, para que sejamos recriados. Empunho a palavra como uma espada, mas a direciono precisamente contra meu peito, e cometo seppuku com a Espada do Espírito. A Palavra me fere, me destrincha, me abre por dentro. Para que diariamente eu morra, e diariamente Cristo viva em mim.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O prejuízo da informação

Minha vantagem intelectual sobre os demais reside justamente no fato de eu me recusar a ler sobre aquilo a que me proponho pensar. Creio até que um Kant concordaria comigo neste particular, embora eu mesmo nunca lhe tenha lido uma página sequer. E com apenas isso excedo em inteligência a todo e qualquer acadêmico que tenha dedicado anos e anos ao estudo do filósofo alemão. (Notem como até conheço sua nacionalidade.) O erro de nossos dias é confiar na informação. É confiar nos informados. É interessar-se pelo que o especialista em política internacional acha disso e daquilo, enquanto o melhor caminho seria descobrir, por conta própria, o que diabos leva alguém a ocupar-se disso e daquilo. Porque o bom desenvolvimento intelectual depende do esforço imaginativo, depende da tentativa de se descobrir qual terá sido o argumento de determinado filósofo sobre determinado assunto — sem lê-lo. Pois, do contrário, tudo se tornaria demasiado simples. Tomaríamos um livro, passaríamos horas sobre ele, e acabaríamos todos, miseravelmente, professores universitários.

[Publicado também aqui.]

terça-feira, 16 de setembro de 2008

DFW

Eu nunca li Infinite Jest, nem tenho o livro; e suspeito que se o tivesse, ele estaria acumulando poeira junto com os outros clássicos nunca lidos de minha biblioteca. Mas eu amava os ensaios de David Foster Wallace; seu tom seco e divertidamente (e, é óbvio, falsamente) ingênuo, seus picos de entusiasmo por entre as ondas de nonchallance, sua perspicácia perturbadora, suas infames notas de rodapé. Wallace foi (desafiem-me, se quiserem) o melhor ensaísta de nosso tempo.

Existe um prazer quando se descobre um prazer novo- um autor de quem você nunca ouviu falar, uma música recém-lançada, uma fotografia, uma receita inusitada- que está ligado, de certa forma, a um sentimento de posse. Ao descobrir e amar uma nova música, eu a ponho num mp3 player e regozijo com ela; eu poderia ouví-la, se eu quisesse, sem parar, até o dia em que morrer. É uma pequena beleza que entrou em mundo e nunca mais sairá dele. Mais tarde, posso até enjoar daquela música, esquecer daquele livro, rejeitar aquele poema, mas naquele primeiro minuto há uma glória em pensar que fui enriquecido para sempre por esta nova alegria. Lembro distintamente de sentir esta alegria lendo uma coletânea do DFW na biblioteca da universidade, uns dois anos atrás, e de pensar: preciso ler Infinite Jest. E de pensar: o que será que ele vai escrever no futuro?

Bem, ele lançou mais uma coletânea (o excelente Consider the Lobster) e se matou. E relendo os poucos livros dele que eu tenho, me sinto empobrecido, triste; toda a antecipação de projetos futuros se foi, e com ela se foi parte do prazer em lê-lo, pelo menos por enquanto. As próprias palavras dele ficaram mais escuras; toda menção ao suicídio, ao sofrimento, á depressão parece adquirir tons proféticos, ameaçadores, famintos. Só me resta orar por sua alma, e por sua família. E, quem sabe, finalmente ler Infinite Jest.

domingo, 14 de setembro de 2008

Hooligans auf Wittenberg und anderen dingen

* Antes de mais nada: Acabo de descobrir que Gustavo Nagel (nosso Melanchthon para as massas) apagou seu blog justamente quando eu queria consultar um comentário que tinha feito nele há mais ou menos um ano e meio, mas agora está perdido para sempre. Raios. Ele não nos avisou disso, mas que diabos, faço a propaganda assim mesmo: vão para seu novo blog e deixem comentários generosos, elogiosos e admiráveis.

* É incrível como os inimigos de nossas causas muitas vezes nos inspiram mais do que seus proponentes. Reli este fim de semana o A New Christianity for a New World do bispo Spong, um livrinho com esperanças tão malignas para o cristianismo que me faz perguntar se teólogos pós-modernos são da mesma espécie que eu, e me senti envigorado. O apóstolo Paulo nos diz que precisamos pensar naquilo que é agradável, e justo, e santo; mas também é verdade que a peçonha de um servo de Satanás como Spong me envenena o espírito na medida certa, é como um tônico para a mente. Aliás, este é um princípio quase universalmente aplicável: se você quer ser feliz e edificado, leia os autores que te guiam, que você tem como norte, e leia autores novos ou semi-conhecidos, que ainda tem algo para ensinar ou algo para te entreter. Mas se você quer uma musculação para a mente, se quer uma pedra para afiar seu raciocínio, se quer fazer ferver seu sangue até um estado de prontidão e alerta, leia autores que você já examinou, e descobriu sem sombra de dúvida que são destrutivos ou idiotas. Assista um filme que você odeia, leia a autobiografia de um maldito canalha, leia os arquivos de um blog que você detesta (pode muito bem ser este blog agora mesmo), e veja como os seus pensamentos correm, acelerados, amolados, como pequenas cimitarras em sua cabeça. E este é o segredo da longevidade: nunca deixe seu sangue tranquilo, parado, congestionando suas veias com colesterol e coagulando em sua cabeça. Uma pequena infusão diária de irritação ou pura indignação para acelerar sua circulação e purificar seu sistema é mais eficaz e saudável que qualquer vitamina; e as pequenas cimitarras no seu sangue limpam as veias e, ainda por cima, embranquecem os dentes quando saem pela boca. Experimente.

* E enquanto estamos no assunto de livros irritantes, também li A Língua de Eulália, de Marcos Bagno, e achei a coisa mais condescente e falsamente piedosa (daquela piedade secular, mas duplamente melosa e sentimental) que já li na vida. Mas posso estar enganado, pode ser que seja um livro sincero, e o próprio Marcos Bagno recebe todos os melhores conselhos, admoestações e lições de vida de sua cozinheira banguela semi-analfabeta; mas ora vamos, não estou errado, é um livro não apenas ruim, mas falsamente escrito. Eulália (a cozinheira banguela semi-analfabeta do livro) é descrita como uma pessoa tão maravilhosa e corajosa que eu esperava que a qualquer momento ela sumiria da cozinha e apareceria milagrosamente a três crianças em Fátima; mas ao mesmo tempo, a doutora protagonista -que, condescentemente e insuportavelmente ensina as três meninas burras que é ok falar errado- é uma santa que chama sua empregada pra morar em casa com ela e trabalha enquanto ela cochila. O autor com uma mão exalta seu ideal do proletariado sábio e nobre, que fala português do jeito que quer, e com a outra glorifica onanisticamente a imagem de doutores tolerantes e sapientes como ele, que acham a norma culta uma conspiração das elites e fingem que os pelos de seus braços não arrepiam quando ouvem alguém dizer "probrema". E o leitor fica como as três alunas burras: presos nos sermões moralizantes, manipuladores e socialmente responsáveis da doutora.

* O lado negativo é que enquanto paro para ler livros ruins, fico sem tempo para ler os bons; e mais, fico sem ânimo. Quero ler A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, mas toda vez que sento para ler, olho para o tamanho do livro e desanimo, e deixo para outro dia, preferindo reler algum favorito, algum bom velho livro. E sei que se isto continuar por mais tempo, o Pedra terminará na mesma pilha que Os Irmãos Karamazov, Guerra e Paz, A Montanha Mágica, e todos os outros clássicos da literatura® que joguei de lado pra ler Catch-22 outra vez. Preciso que alguém que já leu o livro diga para mim que ele realmente é tão bom quanto seu título, e vale a pena ser lido.

* Este é agora, oficialmente, um de meus clips favoritos. Aliás, proponho para esta semana (se meus companheiros de blog estiverem dispostos a algo frívolo e besta) alguns posts listando os vídeos de youtube que vocês tem assistido ultimamente. Vamos, será divertido.

* Divulgação: Dos dias 17 a 19 de Setembro ocorrerá a IV Semana da Teologia na Faculdade Boas Novas, em Manaus. O tema deste ano é a pregação bíblica, e a semana contará com palestras do pastor Jorge Max e de vários professores da FBN, inclusive este que vos escreve, que fará o papel de besta falando sobre pregação narrativa. Se moram em Manaus e tem algum tempo livre, apareçam por lá.

* Existem dois tipos de pessoas no mundo: pessoas que ficam gratas a Jesus por salvá-las de seus pecados e pessoas que se sentem indignadas com a presunção de Jesus, de chegar assim querendo salvar as pessoas. As pessoas do primeiro grupo abjetamente confessam seus pecados e se lançam ás misericórdias de Deus; as pessoas do segundo grupo se sentem ofendidas com a insinuação de que são pecadoras e fracas, criaturas necessitando de um salvador. E curiosamente, a acusação das pessoas do segundo grupo contra as do primeiro é de que estes pecadores confessos e miseráveis imploradores de perdão são hipócritas, orgulhosos, e moralistas auto-satisfeitos. Hmm.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O planeta silencioso

Procurando no google por "Out of the Silent Planet", o primeiro romance da trilogia espacial de C.S. Lewis, descobri que há uma música do mesmo nome pelo Iron Maiden. Embora, pelo que eu tenha visto, eles não citam Lewis como influência, achei interessante que o tema da música é exatamente o inverso do tema dos livros. A música, de acordo com o vocalista da banda, é sobre "um monte de alienígenas que destruíram o seu planeta, e agora partiram de seu planeta silencioso para vir nos pegar."

Na série de Lewis, os planetas alienígenas Malacandra e Perelandra (Marte e Vênus, respectivamente) são domínios espetaculares; um planeta se aproximando de sua extinção, um planeta no qual a vida inteligente acabou de ser criada, mas ambos planetas vibrantes, no qual se encontra surpresa e comunhão, alteridade e fraternidade em cada lugar. São mundos regozijantes e reverentes; a terra, por outro lado, é o planeta silencioso, o planeta que deu errado, a ameaça constante a seus vizinhos. Da terra vem a morte de Marte, da terra vem o tentador da Eva de Vênus. O monstro não está vindo do espaço para nos pegar; o monstro somos nós.

E este é um tema que, devo confessar, não encontro muito na ficção científica, a humanidade como vilã e corruptora. Geralmente encontramos raças alienígenas vindo nos escravizar, nos destruir, e roubar nosso agradável planetinha. Mas se houver vida inteligente fora da terra, não há motivo para crer que eles caíram como nós caímos. Se houver vida extra-terrestre, nós somos um perigo maior a ela do que ela a nós. Pode ser que haja um cosmo inteiro de seres saudáveis e amorosos que deliberadamente nos evitam, porque nós somos um planeta de quarentena, e nosso silêncio não pode contaminar o universo.

Enfim, toda esta nerdice cristã. É que ainda estou com a Queda na cabeça. Ainda hoje posto algo mais interessante.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O verdadeiro problema do Rio?

Hoje eu estava voltando do trabalho pra casa. Peguei o ônibus ali na estação de Bangu e qual não é o meu espanto quando eu vejo que a cobradora está fumando. Mais à frente tenho a infelicidade de ver um ônibus vindo na direção contrária onde o motorista tinha um ponto luminoso vermelho no meio da boca ¬¬.

Esses dias estava andando na rua, no horário de almoço com alguns colegas de trabalho. Um deles, um rapaz jovem, super bem informado, daqueles de saber as notícias 3 minutos após elas terem sidos lançadas no portal mais obscuro da internet, ótimos conhecimentos de informática, lucidez perfeita, raciocínio lógico rápido e etc, etc, e tal... pegou o papel de bala e jogou no chão! Assim como mais trinta mil pessoas que fazem isso todos os dias em todos os lugares do Rio.

De vez em sempre dá pra gente flagrar alguém "mijando" num canto qualquer em plena luz do dia. Não é à toa que o centro do Rio possui um cheiro todo característico (que por sinal, não é só de xixi).

É incrível a falta de EDUCAÇÃO de grande parte da população que vive no Rio. E através do que eu acabei de dizer ali em cima, não é um problema só das classes menos privilegiadas. Infelizmente, entra todo mundo aí no bolo.

O morador do Rio não tem educação e joga muito lixo no chão. Existem locais horrivelmente sujos e o Rio se torna uma cidade mais suja. O morador do Rio não sabe se cuidar direito e torna-se mais propenso a doenças. Os hospitais já não são bons (nada bons) mas com o número absurdo de doentes, o quadro piora. Os motoristas do Rio não tem educação. É um cortando o outro e fazendo as coisas mais horríveis no transito (quem já andou de ônibus aqui sabe do que eu estou falando), e por consequência, o tráfego no Rio é horrível, mas não era pra ser. Acaba que todo problema chato e ridículo do Rio cai nas costas da falta de educação da população, seja ela pobre ou rica. As pessoas continuam jogando papel no chão, fumando onde não deve, mijando fora de um banheiro... Às vezes é desesperador pensar numa solução pra isso tudo.

A gente devia poder confiar nos governantes, mas eu não consigo pensar que eles vão realmente dar um jeito nisso. A educação no Rio está sucateada, bem como a maioria das frentes de trabalho por aqui. O Rio está abandonado...

P.S.: Eu sei que este é o problema da maioria dos locais no Brasil. Este texto poderia ser muito melhor, mas não estou inspirado hoje e só queria desabafar.

π

domingo, 7 de setembro de 2008

Um post para Filipe Garcia, do blog http://discipulum.blogspot.com

Olá, Filipe.

Alguns mêses atrás, enquanto buscando por coisas inúteis no google, decidi buscar aquela mais inútil das coisas; referências ao meu blog. Para minha surpresa, havia outro blog com o nome de Pensamentos Cativos, namely, o seu. Achei uma coincidência agradável porque, crente supersticioso que sou, referências bíblicas me agradam, e decidi descobrir mais sobre o cara que teve a mesma idéia que eu na hora de dar um nome pro seu site. Não levei mais do que três minutos pra descobrir que a similaridade dos nomes não era uma coincidência. Você copiou o nome de um projeto que criei com alguns amigos, que durou duas pequenas edições e ressuscitou este ano com este blog. E pra descobrir seu plágio, só bastou ler o primeiro post de seu blog. É o mesmíssimo texto que escrevi como prefácio do Pensamentos Cativos original, e hoje é a missão do blog. Está lá em baixo, em preto.

Acima do texto, tal como se encontra em seu blog, está escrito em negrito "Escrito por Filipe Garcia". O que não é uma mentira completa; você realmente modificou o texto. Para ser preciso, você mudou exatamente uma coisa: as afirmações feitas no plural foram modificadas para o singular. Uma declaração de um grupo, um posicionamento meu e de meus amigos, uma proposta feita por quatro pessoas, foi reduzida ao pensamento original (quase escrevi esse original entre aspinhas sarcásticas, mas resisti o impulso) e solitário de um blogueiro. E que pequenos detalhes deliciosos nos comentários. Gostei em especial do comentário de Felipe Fanuel, no qual ele discorda com sua (resisto novamente as aspinhas sarcásticas) fé excludente, e pergunta se realmente vale a pena abrir um blog para difundir idéias que, levadas ao extremo, levam ao fundamentalismo e extremismo. Ah, o comentário dele me fez sorrir, porque o "conservadorismo militante, cego, e estúpido" é, bem, o nosso campo aqui. Alguns mais cegos do que outros, e ninguém mais estúpido do que eu: mas se é assim que minha fé vai ser definida, vestirei o insulto no peito como se fosse uma medalha. Acho o Felipe Fanuel uma boa pessoa, mas é assegurador ver que um texto meu o deixou um pouco desconfortável. Mesmo presente no blog de uma fuinha plagiadora e tão espertamente crítica de crentes como você.

Na ocasião, deixei um comentário secamente comentando sobre a autoria do post, e o Nagel deixou um comentário pedindo que você, well, fosse honesto. Você deletou ambos os comentários, e eu deixei pra lá; não é tão importante, e que diabos, quem se importa. Mas uma amiga levantou assunto novamente, perguntando desconcertada porque eu roubei o nome de um blog que já existia; e isto me deixou um pouco irritado. E por isto gasto estes exatos vinte e dois minutos de minha vida- dá para ver que foram vinte e dois minutos porque foi a duração inteira de um episódio dos Simpsons- para pedir que você, sei lá, remova o post; e posto aqui, pra não ter outro comentário deletado. Ia pedir para que mudasse o nome do blog, mas ah, nós roubamos de Paulo pra início de conversa, e ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.

Um abraço,

João.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Invasores de Corpos

Não digam pra ninguém, mas acho que os alienígenas tomaram o corpo da Norma, visto que ela anda por aí lendo e elogiando (eu sei, eu sei, veja como os pelos do meu braço estão todos arrepiados) o blog do Caetano Veloso. Sim, aquele Caetano Veloso. Eu sabia que algo estava errado- já tinha visto ela por aí louvando o Glauber Rocha, e anteontem afirmando que o correto é dizer "estadunidense", já que americanos somos todos nós, mas não prestei atenção. Agora estou com medo. Medo de que serei o próximo. Se me virem aqui elogiando o Gerald Thomas, ou postando letras de música do Arnaldo Antunes, lembrem que não sou eu, é um alienígena que tomou meu corpo. E matem-me o mais rápido possível.

Um posicionamento sobre a disputa presidencial americana

Todo o apoio do PC vai para os republicanos John McCain e Sarah Palin. Por que motivo? Porque pesquisando sobre esta corrida de "primeiros" históricos- toda a disputa interna dos democratas foi sobre quem merece ser presidente primeiro, um negro ou uma mulher- eu descobri que a Palin é membra da Assembléia de Deus americana. Uma vice-presidente dos EUA assembleiana! Eis um "pela primeira vez na história americana" no qual eu votaria.

Se algum leitor aí estiver no cativeiro babilônico (do qual eu mesmo só retornei ano passado), faça seu dever para com a história, e ponha uma pentecostal na casa branca. É nosso destino manifesto denominacional!

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O Eleitor e as Duas Opções

O verdadeiro mal de nosso sistema político partidário é frequentemente mal afirmado. Ele foi mal afirmado pelo Lorde Rosebery, quando ele disse que o sistema impede que os melhores homens se dediquem á política, e que isto encoraja um conflito fanático. Eu duvido que os melhores homens se dedicariam á política de qualquer modo; os melhores homens se dedicam a criação de porcos, e a bebês, e coisas deste tipo. E quanto ao conflito fanático entre os partidos, eu queria que houvesse mais dele. O perigo real do sistema bi-partidário, com suas duas políticas, é que os partidos limitam a perspectiva do cidadão comum. Eles o fazem estéril ao invés de criativo, porque eles nunca lhe permitem fazer qualquer coisa exceto preferir uma política pré-existente ou outra. Nós não teremos democracia real quando as soluções forem escolhidas pelo povo; teremos democracia real quando o problema for escolhido pelo povo. O homem comum deverá decidir não apenas como ele irá votar, mas sobre o que ele irá votar.

É isto que traz alguma fraqueza ás muitas aspirações de extender o sufrágio; isto é, deixando de lado todas as questões abstratas de justiça, o problema da democracia atual não é a pequenez ou a grandeza numérica da constituência. O problema não está na quantidade de eleitores, mas na qualidade daquilo no qual eles estão votando. Duas alternativas lhes são apresentadas pelas casas poderosas e pela mais alta classe de políticos. Duas estradas são abertas aos eleitores; mas eles precisam escolher uma ou outra. O eleitorado não pode ter o que ele quiser; pode apenas escolher dentre as opções oferecidas. Para seguir o processo em sua prática, poderiamos colocá-lo desta maneira: As sufragetes (se podemos julgar pela frequência em que tocam sua campainha) desejam fazer algo com o senhor Asquith. Eu não faço idéia do que é. Digamos que (para os fins deste argumento) elas querem pintá-lo de verde. Suponhamos que é apenas por este simples motivo que elas estão sempre buscando audiências privadas com ele; é um propósito tão válido quanto qualquer outro que posso imaginar para tais encontros. Agora, é possível que o partido governista tome uma posição política ativa que pinte o senhor Asquith de verde; talvez o governo dê esta reforma uma posição eminente em sua agenda política. E então o partido que está na oposição assumiria uma outra posição; não a posição de deixar o sr. Asquith em paz (o que seria considerado perigosamente revolucionário), mas alguma outra alternativa, como pintá-lo de vermelho. E então ambos os partidos se jogariam sobre o povo, e ambos gritariam que seu apelo agora se dirigia ao César da Democracia. Uma atmosfera escura e dramática de crise surgiria de ambos os lados; flechas de sátira voariam, e espadas de eloquência cintilariam. Os verdes diriam que os que queriam pintar o sr. Asquith de vermelho são os socialistas e os libertinos, pois estes, se pudessem, pintariam a cidade inteira de vermelho. Socialistas responderiam, indignados, que o socialismo é o contrário da libertinagem, e que eles buscavam pintar o sr. Asquith de vermelho apenas para que ele pudesse se parecer com uma caixa de correio vermelha, que tipifica o controle estatal. Os verdes, por sua vez, negariam veementemente a acusação tão frequentemente levantada contra eles pelos vermelhos; eles negariam que buscavam pintar o sr. Asquith de verde para que ele ficasse invisível nos assentos verdes da Câmara dos Comuns, do modo como alguns animais assustados se camuflam com seu ambiente.

Talvez haveriam lutas nas ruas, e uma proliferação de faixas, bandeiras e botões, de ambas as cores. Uma multidão cantaria, "Keep the Red Flag Flying", e a outra, "The Wearing of the Green"*. Mas quando o ultimo esforço for feito, e quando o momento final chegar, quando duas multidões aguardarem no escuro, do lado de fora de um prédio público para ouvir o resultado da eleição, então ambos os lados diriam que naquela hora a democracia fez exatamente o que queria. Mas isto talvez não seria a verdade. Talvez a própria nação, levantando sua cabeça em terrível solidão e liberdade, gostaria realmente que o sr. Asquith fosse pintado de azul pálido. A democracia verdadeira do país, se lhe fosse permitida criar um plano político por si só, talvez desejasse o sr. Asquith preto com bolinhas rosas. Talvez a população teria desejado mantê-lo como ele está agora. Mas um enorme aparato de riqueza, poder, e publicações impossibilitou a chance de surgirem quaisquer outras propostas, mesmo se a população realmente as preferisse. Nenhum candidato irá apoiar a proposta de pintar o sr. Asquith de bolinhas; pois candidatos geralmente precisam tirar dinheiro para concorrer de seus próprios bolsos, ou dos cofres do partido, e no partido as bolinhas não são a moda. Nenhum homem em posição política irá se comprometer com a teoria do sr. Asquith azul pálido; e portanto ela nunca poderá ser uma proposta do governo, e portanto nunca ocorrerá.

Quase todos os grandes jornais, tanto os pomposos quanto os frívolos, declararão dogmaticamente dia após dia, até que mais ou menos todos creiam, que vermelho e verde são as únicas duas cores na caixa de tintas. "O Observador" dirá: "Ninguém que conhece a sólida estrutura política, e enfáticos primeiros princípios, de um povo imperial pode imaginar por uma segundo que há qualquer meio termo nesta questão; precisamos cumprir nosso destino manifesto racial e coroar o edifício dos séculos com a augusta figura de um premier verde, ou precisamos abandonar nosso legado, quebrar nossas promessas ao império, lançar-nos á anarquia final, e permitir que a demoníaca e flamejante figura de um premier vermelho paire sobre nossa dissolução e nossa perdição." O "Correio Diário" diria: "Não há ponto intermediário nesta discussão; a escolha precisa ser verde ou vermelho. Desejamos ver todo cidadão honesto trajando uma cor a outra." E então algum engraçadinho iria começar com os trocadilhos, dizendo que o "Correio Diário" quer que seus leitores sejam verdes apenas para que seus lucros não caiam no vermelho**. Mas ninguém ousaria sussurrar que existe tal cor como o amarelo.

Pelos motivos de pura lógica, é mais fácil argumentar com exemplos bobos do que com exemplos sensíveis; isto é porque exemplos bobos são simples. Mas eu poderia citar casos graves e concretos do tipo de coisa a qual me refiro. Ao final da Guerra Boer, ambos os partidos insistiam perpetuamente em todo panfleto e discurso que a anexação da África do Sul era inevitável, e que era apenas uma questão de qual partido iria oficiar o processo. Mas a anexação não era nem um pouco inevitável; seria perfeitamente fácil fazer as pazes com os Boers, tal como é comum que nações cristãs façam as pazes com seus inimigos. Pessoalmente, creio que seria muito melhor se nós nunca tivessemos feito a anexação; até por motivos puramente egoístas, teria sido melhor para nosso prestígio e para nossos bolsos. Isto é apenas uma questão de opinião. Mas o óbvio é que a anexação não foi inevitável. Esta não era, como foi dito, a única alternativa; haviam várias outras alternativas. Haviam várias outras cores de tinta. Novamente, na discussão sobre o socialismo, é repetidamente esfregada na mente pública a afirmação de que precisamos escolher entre o socialismo e uma coisa horrível que eles chamam de individualismo. Eu não sei o que esta alternativa significa, mas parece dizer que todo aquele com a sorte de ter alguma riqueza deve adotar a filosofia do egoísta, e proclamar o quão bom ele é por servir a si mesmo.

As pessoas calmamente assumem que únicos tipos de sociedade possível são a sociedade coletivista e a sociedade presente, a sociedade de nosso tempo que é mais ou menos como uma pilha viva de adubo. Nem preciso dizer que eu preferiria o socialismo ao presente estado da sociedade; eu preferiria até a anarquia ao presente estado da sociedade. Mas simplesmente não é verdadeiro dizer que o coletivismo é o único outro esquema possível que poderia trazer uma ordem mais igual. Um coletivista tem o perfeito direito de pensar que o coletivismo é o único esquema coerente; mas ele não pode afirmar que é o único esquema plausível ou possível. Poderiamos ter a propriedade nas mãos dos pequenos agricultores; poderiamos ter o compromisso de Henry George; poderiamos ter um número de pequenas comunas; poderiamos ter cooperação; poderiamos ter comunismo anárquico; poderiamos ter uma centena de coisas. Não estou dizendo que qualquer uma destas direções é a correta, embora eu não consiga imaginar que qualquer uma delas poderia ser pior do que a sociedade-manicômio presente, com seus ricos opulentos e pobres torturados; mas eu digo que o fato de que a mente cívica não está, num sentido amplo, cônscia destas possibilidades é uma prova viva de quão rígidas e estreitas são as alternativas oferecidas á sociedade. A mente da sociedade não é livre ou desperta o suficiente para perceber o quanto ela tem o mundo inteiro na sua frente. Existem pelo menos dez soluções para os problemas da educação hoje, e ninguém sabe qual delas o povo realmente quer, porque ao povo só é permitido escolher entre as duas opções oferecidas pelo governo e pela oposição. Existem dez soluções ao problema da bebida, e ninguém sabe o que nossa democracia deseja; pois só se permite que a democracia enfrente uma lei de licenciamento de cada vez.

Então é esta a situação: o povo tem o direito de responder perguntas, mas não tem o direito de fazê-las. Ainda é apenas a aristocracia política que faz as perguntas. E não seria irracionalmente cínico de nossa parte imaginar que a aristocracia sempre será muito cuidadosa com as questões que ela levanta. E se o perigoso conforto e auto-congratulação da Inglaterra moderna continuarem por muito mais tempo, haverá menos valor democrático numa eleição inglesa do que numa Saturnália dos escravos romanos. Pois a classe poderosa irá sempre escolher dois planos de curso, ambas seguras para si mesma, e dará ao povo a gratificação de escolher uma opção ou a outra. O senhor de escravos tomará duas alternativas tão parecidas que ele mesmo não se importaria em escolher entre elas com os olhos vedados; e então, para se entreter, permitirá que seus escravos escolham entre elas.

-- G.K. Chesterton, A Miscellany of Men

* Pensei em colocar títulos de músicas brasileiras que evocam as duas cores, mas deixa pra lá.

** Não consegui traduzir o trocadilho original ("The Daily Mail wants its readers to be green, but its paper to be read"), então inventei outro.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Hooligans de Covadonga y otras cosas

É uma questão de saúde mental: O católico que hoje não viver espiritualmente em Covadonga é obrigado a viver num acampamento do MST. Faça sua escolha.

Protestantes ainda tem suas Utrechts e Canterburys, mas nós não. Tudo que era nosso se corrompeu. O excesso de beleza, em Viena por exemplo, é mais que decadente - é decadentista. Só em Roma temos ainda alguma glória, mas ameaçada por Satanás, que lá também posui um trono (ainda oculto).

Por isso, não me venham com bodoques, ou levantarei a espada de Carlos Magno. Ora, estamos na Internet. Aqui não corremos risco algum, isso nem é coragem. E ninguém vai sair ferido. Não vejo motivos para qualquer briga horrorizar ninguém.

É claro que o blog tem que ser produtivo; o que não vejo é porque um pouco de combate vai ser sempre anti-produtivo. Viemos fazer mais prisioneiros para Cristo, como dizíamos. Isso pode incluir alguma violência - quem o nega?

E agora, algo completamente diferente.

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O sentimento religioso mais horrível, pernicioso e daninho que existe é o clubismo. É pessimo entre os protestantes, mas ainda pior em católicos. Achar que a graça de Deus é insuficiente para certas pessoas, acreditar na existência de casos incuráveis, é duvidar de uma certeza ontológica do cristão: A corrupção generalizada, ou o pecado original. Todos, sem exceção, somos pecadores e merecedores do fogo do inferno. Até o maior dos santos depende da misericórdia de Deus. Mesmo Nossa Senhora, concebida sem pecado, somente foi livre do pecado por um dom especial, uma graça específica, da parte de Deus; podemos dizer, por sua misericórdia.

Daí dizermos que não há pecador sem esperanças. A todos Deus pode salvar; o sangue da nova e eterna aliança foi derramado por muitos.

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Sobre os assuntos mais recentes, isto é, o quanto nossa confissão cristã afeta nossos hábitos, eu penso o seguinte. Tudo que fizermos por caridade conta para nossa salvação. Para equalizar o problema caridade versus fé, eu declaro de saída que a caridade é fruto necessário da fé, e portanto inseparáveis; a caridade operando pela vontade e a fé pelo intelecto, provindo, porém, ambas, da graça de Deus.

Portanto, pecamos quando agimos sem caridade, quando julgamos sem fé ou quando cremos sem esperança.

Então, é mais pecaminoso se abster de cerveja sem caridade - digamos, para obedecer a um capricho pessoal ou para castigar-se de outros pecados imaginados - que bebê-la em boa disposição. Corruptio optimi pessimi: As privações e abstinências são a coisa melhor da vida, mas somente se vistas como meio de ascese; quando são enxergadas como fins, são piores que a vida religiosa mais básica, que para o católico exige apenas oração diária, missa dominical, dízimo segundo o costume e jejuns quando for o caso, além da obediência aos mandamentos de Deus.

Isso porque a simples obediência leva ao céu, mas a obediência orgulhosa, levada aos extremos, não. A isso aludiu São Cipriano, exortando os membros de uma igreja em sua diocese a que não deixassem de combater a peste que lhes ia ceifando vidas, mas que não se revoltassem por morrerem desta forma, e não martirizados, como prefeririam.

O que não vêem é que o martírio, e o anacoretismo, e as outras grandes exigências da vida religiosa, são para poucos. E para os poucos capazes de responder ao que Deus lhes pede. E sempre que Deus o pede, é para o bem comum. É do sangue dos mártires, junto do Sangue de Cristo, que a Igreja cresceu. É do impulso de Santo Antão vencendo a Satanás que podemos, diariamente, lutar contra este nosso grande inimigo. Porque alguns já o fizeram, todos podemos fazê-lo novamente. Mas se Deus prefere que você alimente seus filhos e deseje bom dia às velhinhas na rua, isto já é o suficiente para Ele.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Quem sou eu?

Estava relendo este post do Nagel e realmente acredito que ele esteja correto ao dizer que "não há ligação alguma entre a minha crença na Trindade e meu desgosto por cigarros; entre minha esperança na ressurreição e meu desinteresse por cerveja". Sim, é verdade, mas é uma verdade que apenas a exceção aplica ou entende. Eu não culpo a mocinha achar que ele não sai pra balada por causa da igreja. A igreja se deu essa fama, e como dizer que não é assim? Qualquer "desculpa" que formos dar vai parecer exatamente isso, uma desculpa.

Comecei a pensar na minha identidade, em quem eu sou e como eu identifico. E eu sei que não é verdade, mas acredito que pra uma boa parte da população brasileira se eu disse que sou crente, vão pensar que no fim de semana eu uso terno e minha mãe usa saia o tempo todo. Se disser que sou evangélico, logo vão pensar que eu sou um tapado que dou dinheiro pra um pastor pilantra que chuta santinhas. Se eu disse que sou cristão a situação melhora um pouco, mas é bem provável que me liguem mais aos católicos que àquilo que realmente sou. Se eu disser que sou um "discípulo de Cristo", me sinto como um místico, similar a um "discípulo de Buda", ou um cara fugindo daquilo que realmente é, mas isso pode ser só preconceito meu. Eu me sentiria muito esquisito dizendo que sou um "discípulo de Cristo" pra alguém... Falha minha.

Daí vem a pergunta: eu deveria me importar? O que as pessoas pensam e concluem sobre mim é importante? Num primeiro momento eu penso "Não, que isso, eles que se danem, eu não posso me envergonhar do evangelho". Mas daí eu penso de novo... Eu não tenho vergonho do evangelho, mas tenho muita vergonha dos evangélicos, crentes e cristãos que existem por aí. Não porque eles erram em alguns pontos. Errar todos erramos. Mas por terem colocado na cabeça do mundo de que eles nunca erram. E agora, quem sou eu?

sábado, 23 de agosto de 2008

Bucha minor

b.m. Pergunta em que ele está errado, depois de se ofender por eu chamá-lo de burro - o que ele é. É burro, principalmente por não saber, ainda, que nem sempre os burros estão errados. É possível ser um imbecil e, ainda assim, ter razão. Mas este não é o caso dele.

Eu não deveria perder mais tempo com esta pessoa. Mas não quero dar a impressão de que não tenho uma resposta. Não se trata de vaidade; é antes uma recusa a dar a palma a um porco. Para não lhe dar a palma, dou pérolas. E nisto, mesmo não sendo burro, estou errado.

A questão começou assim: Gustavo Nagel escreveu este post, que em resumo afirma que a liberdade individual não combina com o voto obrigatório. O que é verdade. Eu diria, mesmo, que o conceito de democracia não combina com o voto obrigatório. Se somos reais democratas, valorizamos a vontade das pessoas mais do que seu voto.

Daí, surgiu-nos uma diva, dizendo que postura do Nagel era não somente estúpida, mas invariavelmente estúpida. Vou ignorar o advérbio desnecessário e sem sentido. Vou me concentrar no adjetivo. Uma postura estúpida só pode ser mantida por uma pessoa estúpida. Uma pessoa sábia pode errar, mas não estupidamente. Temos uma ofensa, e onde há ofensa há ofensor.

Eu cheguei a comentar, fazendo piada, a seguinte frase: "Who let the dogs out, who, who, who, who, who?" Confesso que esqueci as vírgulas e ponto de interrogação, mas sendo uma óbvia brincadeira, pouco importa. A pergunta era motivada pela incivilidade do nosso homem sem nome. Preocupado de ser mal interpretado, pouco depois fiz outro comentário. Não queria que houvesse ambigüidade: Quem seria o dog out, bm ou Nagel? Portanto, aproveitei uma outra injúria do bm para comentar que "b.m. = PT"

O Nagel declarou, lá pelas tantas, que só votara em Geraldo Alckmin para não impedir o Lula de ascender ao trono. Nunca disse porque não queria Lula lá. Somente que não queria. Aqui, temos de novo o problema do mal menor, que eu interpreto radicalmente, enquanto meus companheiros de blog, nem tanto. Desta posição, que qualquer pessoa normal considera aceitável (até eu que não a aceito pessoalmente), b.m. tirou suas conclusões: Nagel não gosta do Lula porque Lula é analfabeto, ou porque não sabe comandar, ou coisa assim; e ao fazê-lo, ignora o que se diz do presidente mundo afora e seus anos de líder sindical, etc.

Primeiro: Cada um escolhe seus critérios para eleger um presidente. Ser analfabeto ou comandante inepto, para mim, são coisas suficientemente ruins para desclassificar um candidato à presidência. Mas nunca o Nagel disse que não vota no Lula por isso. Sabemos, o homem tem outros defeitos, como ser ou, pelo menos, ter sido, excessivamente chegado ao álcool; usar metáforas cretinas freqüentemente; ser vulgar; declarar-se sem pecado, e muitos etc. Além disso, em seu primeiro governo, tivemos tantas evidências de corrupção extrema dentro do governo, principalmente em seu partido e outros da base, que julgo poder dizer que suspeita de corrupção também é um bom motivo para não votar nele.

Mas que fosse por não gostar dele, da barba dele, dos nove dedos dele - quem poderia censurar o Nagel por isso?

Somente uma pessoa capaz de usar, como argumento, o que o mundo diz do Lula, e seus anos como líder sindical. Sobre o que o mundo diz do Lula, eu sei, mesmo sem me interessar, que há quem fale mal, há quem fale bem e, principalmente, há quem ignore/despreze - eu incluído. O PT, com certeza, fala bem. Quem fala bem do presidente fora do PT fala exatamente como o PT. Já quem fala mal, pode fazê-lo de inúmeras maneiras.

Sobre os anos de líder sindical, eu não os vejo com tão bons olhos. Mas vejo ainda menos favoravelmente usá-los como prova de capacidade, por não se deverem a "sorte ou indicação". Não sei a idade do bm ou sua possível circulação nos meios sindicais do ABC paulista no fim dos anos setenta; mas sei que ninguém pode declarar, com absoluta certeza, que não houve sorte ou indicação no primeiro sucesso do presidente.

Mais de uma vez, tive notícias de supostos descobridores ou criadores do Lula político. Não dei atenção, e continuei não me importando se nosso atual presidente era ou não self made. Mas sei de algo: O apoio dos católicos ao Lula é devido ao apoio de uma parte do clero paulista, e logo do clero nacional, ao Lula. Estes mesmos clérigos, antes e depois, sempre foram bem pouco clericais, e muito demagógicos. Mas isto não é o assunto.

Portanto, eu digo: Se o seu argumento, frente a um "Não voto no Lula", são seus anos como líder sindical e a opinião da parte do mundo que o admira, seu argumento é petista. E se você realmente pensa assim, pouco importa a que partido você pertença. Como o PT mesmo dizia tempos atrás, "mesmo sem saber, você é PT".

Quanto à acusação dele, de que eu não sei ler, eu já respondi: Se ele soubesse ler, teria lido meu nome, e teria lido que eu nunca o acusei de pertencer ao PT, e sim o identifiquei com o partido. Quanto a ele não ler meu nome, entendo (ele não tem nome), mas não aceito. Meu nome está aqui, exposto. Usem-no, quando falarem de mim. Hombridade, caramba.

Quanto à sua identificação com o partido, não sei se ele está ciente de uma coisa: Nem sempre, pertencer a uma instituição, é estar fisicamente dentro da mesma. Por exemplo, nós católicos acreditamos que fora da Igreja não há salvação. Não porque não se possa ir para o céu sem passar pela porta de Roma; mas porque a própria idéia de Igreja é a comunidade daqueles que estão ou irão para o céu. Aquele católico que não for para o céu não pertence à Igreja, mas à sua estrutura visível. O não-católico que for para o céu, irá na medida em que tiver pertencido à Igreja, mesmo sem o saber.

Portanto, b.m., mesmo que você não tenha se filiado ao PT, você tem com este partido uma ligação profunda - mais do que uma filiação. E portanto, você é burro. Vulgarmente burro. E por ficar ofendido com isso, é um baitola, um sissy. E se você disse ironicamente que ficou ofendido, você é um babaca. E por usar fonte comic sans no seu blog, você é um trouxa. Agora suma daqui, vai pastar.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Um post muito honesto

Uma característica universal de pessoas grossas, sem gentileza, e (em alguns casos) sem caráter é o fato de todas se proclamarem muito honestas. Não estou dizendo que toda pessoa que se diz honesta é grossa, embora talvez não seja muito modesta; estou dizendo que se há falta de educação ou de virtude, há auto-proclamação de honestidade, sinceridade, e integridade de caráter. O visitante que diz que o almoço estava ruim, o homem que corta a fila na frente de todos descaradamente, a mulher que acha defeito em todo serviço, não importa onde, não importa a situação, a alma caridosa que te informa que seu carro é uma bosta, a fofoqueira que faz de meias verdades e atenção imerecida o pão e manteiga de seu espírito: note como todos, todos sem exceção, se orgulham de sua honestidade, de como eles não tem papas na língua e falam mesmo quando algo não lhes agrada. Note como são pessoas de ação, que não deixam as hipocrisias incoerentes da sociedade impedir suas pequenas iniquidades egoístas. Note como toda falta de caridade, toda crítica destrutiva e maldosa, toda fofoca, toda falta de boa índole é justificada, é santificada, é beatificada com refrescante honestidade. O mesmo ocorre com pessoas sem modos. Eu não lavo as mãos depois de ir pro banheiro porque sempre fui assim, e me recuso a ser hipócrita e esconder meu verdadeiro eu; minha vida seria uma mentira se eu parasse de limpar a boca na manga; não vou ser hipócrita e fingir que gosto da vovó só porque a sociedade espera isso de mim!

E a grande ironia é que o orgulho de uma virtude não é apenas imodesto e feio; o orgulho também revela o quanto aquela virtude é difícil (ou talvez até mesmo impossível) para você. A honestidade é uma virtude tão básica- quase digo tão banal- que quem se orgulha dela revela que tem o senso moral de uma criança. É como ser excessivamente orgulhoso, e sempre comentar com outros, sobre o fato de que você sabe amarrar os sapatos sozinho, ou escova os dentes todo dia, ou sabe andar de bicicleta sem as rodinhas. Contar a verdade é o mínimo que se espera de uma pessoa em qualquer contexto social ou moral; esperar ser congratulado quando você anuncia sua imensa sinceridade é como esperar um troféu por não calçar seus sapatos no pé errado.

domingo, 17 de agosto de 2008

É o amor...

Eu sei que já faz muito tempo que não apareço por aqui. Na verdade apareci uma vez só, mas logo pretendo aparecer mais vezes (assim que eu me demitir do meu atual emprego).

Estou aparecendo pra responder ao Igor naquela “brincadeira” que ele sugeriu a um tempão atrás... O tempo do assunto já passou, mas eu não quis deixá-lo sem uma resposta, mesmo porque eu disse que daria uma.

O problema agora é dar uma resposta depois que o João já deu uma. Assim fica complicado, difícil demais pra mim. Não me restou muito que dizer, mas vou tentar.

Enfim. O Igor perguntou lá atrás: “eles crêem que eu me salve pela fé. Mas basta mesmo ter fé? Creio em um só Deus, Pai Onipotente, e em Jesus Cristo, seu filho unigênito, Nosso Senhor - Isso basta para ir pro céu?”

Creio que não podemos nos esquecer que toda árvore dá seu fruto, e aquela que não dá fruto, está morta. A fé que o João tão bem nos explicou gera em nós verdadeira transformação e, apesar de Paulo nos dizer que não precisamos de nada além desta fé para que sejamos salvos, Tiago nos instrui a demonstrá-la. E isso porque não adianta nada a gente dizer que é alguma coisa se ninguém pode ver e comprovar isto. “Ah, mas Deus ta vendo, isso que importa...”, seria simples assim se nós não fossemos a Igreja, o Corpo de Cristo na Terra. E quem é Cristo? O que Ele representa pra nós? O que nós queremos que os outros enxerguem de Cristo em nós? É baseado nisso que devemos regrar nossas palavras e atitudes. Não adianta você dizer pra uma pessoa que a ama. A palavra nunca vai conseguir traduzir o amor, mas uma atitude sim, e esse tipo de atitude só é possível através de uma verdadeira transformação gerada pela fé que é o dom de Deus, conforme I Coríntios 13.

A fé, aquela que salva e transforma, é dom de Deus, é dádiva que nós escolhemos receber ou não. A diferença entre ela e o simples assentimento intelectual é o fruto. É o amor.

Consequências

Primeiro post de três.

O que quebra o coração em Gênesis 3, o que momentariamente nos faz esquecer de doutrina e história sagrada e tudo mais, e fixa nosso olhar nas figuras desoladas de Adão e Eva exilados do jardim, é a irreversibilidade da perda deles. Uma desobediência os faz perder absolutamente tudo. Perdem seu lar e a cooperação da terra. Perdem sua igualdade e sua tranquilidade. Perdem a paz na presença de Deus, a reação natural da humanidade ao revelar-se de Deus sendo, daquele momento em diante, terror maior do que o da morte. Perdem a si mesmos- a naturalidade em seus corpos, a justiça de seus corações, a vida que lhes pertencia por direito- e ganham apenas o conhecimento do mal contrastado com seu conhecimento do bem. O que é, no final das contas, como qualquer outro experimentar de um vazio; como a fome, como a solidão, como a sensação oca quando desmoronamos por dentro, e nos sentimos apenas uma fachada de pele e olhos. E eles passaram de plenitude ao vazio de forma absoluta e irreversível, para nunca mais se recuperarem.

A lição de Adão e Eva, que eles nunca esqueceram, e nós sempre esquecemos, é que somos condenados a viver para sempre com aquilo que escolhemos, que as marcas de nossas escolhas nunca desaparecem. Mesmo purificados de nossos pecados, carregamos as mil marcas que elas deixaram sobre nós- sobre nossa mentalidade, sobre nosso corpo, sobre nossa honra- que já nem podem ser extirpadas, porque são parte de nós, são cicatrizes indeléveis. Este é o drama do livre arbítrio: que Deus respeita nossas escolhas malignas ao ponto de permitir- se nós insistirmos- que elas nos acorrentem para sempre. Deus nunca desfaz o mal; Ele aceita apenas redimí-lo. A morte de Jesus é um lembrete brutal de que Deus não recusou-se a morrer para que fossemos redimidos; mas ele se recusa a estalar os dedos e apagar os erros que houveram.

No final, nossa reconciliação com Deus nos levará para muito além do Éden; mas o Éden em si nunca mais voltará. Podemos ser deuses; podemos ser recriados na imagem de Cristo; podemos brilhar como sóis na eternidade; mas nunca fomos, e nunca seremos, humanos. Não realmente humanos. A humanidade teve uma vida muito curta. Existiu com Adão e Eva, brevemente, e então dissipou-se em vapor e sombra. Quando Adão e Eva saíram do jardim, Deus pôs na sua entrada um anjo como sentinela, para garantir que nunca mais voltassem. O anjo era quase desnecessário. O Adão e Eva que viviam no jardim não existiam mais.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Um post que não merece ser lido

* Voltem para os posts abaixo e leiam-os novamente, repetidamente, para o fortalecimento de suas mentes e a edificação de suas almas. Neste post só encontrarão besteira. Olá.

* Esta semana estive em São Paulo para minhas primeiras aulas no mestrado. Chegando perto da universidade no carro de meu avô, e ouvindo-o dizer que estavamos na Ipiranga, notei que o cruzamento no qual estavamos parados, esperando a luz vermelha passar, era com a São João. Nada aconteceu com meu coração, mas fiquei curioso do que poderia ter de especial nesse cruzamento- as esquinas não tinham poesia concreta, mas tinham um Habib's e dois cinemas pornográficos. Acho que hoje entendo a cabeça do Caetano Veloso um pouquinho melhor.

* Mas eu brinco, São Paulo. Depois de ver quantos sebos existem naquela cidade, sinto uma vontade pequena e quieta- mas persistente- de quem sabe morar lá algum dia. Paulistanos, convençam-me por favor de que é uma má idéia.

* Li esta semana O Povo Brasileiro de Darcy Ribeiro (passei muito, muito tempo esperando em aeroportos), e (além de qualquer outra observação que um protestante branco, homem, heterossexual, burguês e opressor do povo e da história do povo poderia fazer) me surpreendi com o quanto Ribeiro se preocupa em pintar os brasileiros nativos com cores de bom selvagem. Ele condescentemente diz, num espaço de duas ou três frases (não consigo achar o livro para citar precisamente), que os tupis eram uma cultura fraturada, com um estado permanente de guerra entre as tribos na qual se praticava canibalismo ritual, mas eram muito solidários. Agora, não estou defendendo o projeto colonial português; foi uma escravização e devastação em massa, uma obra iníqua, imoral, e sangrenta. Mas para admitir isto não precisamos atribuir ao povo vencido virtudes que não tinha. Você pode- se achar isto uma virtude- dizer que não tinham um sistema de posse sobre a terra; pode dizer que respeitavam a natureza; pode dizer que não eram afligidos pelo materialismo que é nossa maldição. Mas você não pode chamá-los de solidários. Não uso a palavra muito, então posso estar enganado, mas não creio que exista uma definição de solidário que permite que você a use para descrever um povo que guerreia constantemente contra seus vizinhos, e come seus oponentes capturados. Se a palavra pode ser usada assim, eu posso dizer que Genghis Khan- este grande unificador dos mongóis, esta indefesa figura tão difamada pelos historiadores ocidentais que servem os interesses do capital- era um homem muito solidário, apesar de seu embaraçoso hábito (mal compreendido hoje devido aos nossos fatores culturais burgueses e nosso vazio puritanismo cristão) de invadir a China. Ou as palavras tem significado ou não tem. Ou eles estão unidos ou estão se matando e canibalizando.

* Tenho um post todo preparado em minha mente sobre a Queda, Caim e Abel, e o poema do Igor; mas isto vai ter que esperar até mais tarde. Aguardem.

Os motivos são outros

O que me incomoda um pouco é ver atribuírem ao meu cristianismo algo que não passa de uma mera questão pessoal, de temperamento, ou seja lá qual for o nome mais apropriado para significar, às vezes, não mais que um gosto. Se não saio por aí matando todas as pessoas que julgo desnecessárias, longe de ser por falta de vontade, é por acreditar que o valor da vida humana independe do que quer que eu pense — e porque, além disso, os Evangelhos me ensinam não só a não matar, como também a amar ao meu próximo, até mesmo ao meu inimigo, às gentes menos merecedoras. Quando eu digo, portanto, que nunca matei uma única pessoa em toda a minha vida, é justo que creditem esse meu histórico à minha moral religiosa, que prevalece sobre o meu impulso natural. Por outro lado, quando digo, por exemplo, que não freqüento certos lugares, não alimento certos hábitos, não o digo por ser, a rigor, um cristão, mas por achar que tenho coisas melhores a fazer: — “Ah, você não gosta de sair pra dançar? Você é de alguma igreja?” — “Olha, minha amiga, por um grande acaso, obra mesmo do destino, eu pertenço a uma igreja. Mas o que é que isso tem a ver com o fato de eu preferir passar minhas noites de sexta e sábado em casa?” Sei que pode parecer um escândalo (mais até para os de dentro que para os de fora), mas não há ligação alguma entre a minha crença na Trindade e meu desgosto por cigarros; entre minha esperança na ressurreição e meu desinteresse por cerveja.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O núcleo do assunto,

Que é quase do tamanho do assunto inteiro, é sua parte mais confusa. Primeiro, eu não imaginava que fosse necessário descer a este nível de detalhamento. Pois bem: Há uma coisa chamada liberalismo que se pode aplicar à política prática; e outra que se pode chamar liberalismo econômico. O primeiro não deriva, e não depende, do liberalismo filosófico, mas o segundo sim.

As perguntas que se fazem, em política prática, são as seguintes: O que é necessário para a sociedade? O que é necessário para as pessoas? Feitas estas perguntas, chega a hora da mais importante em nosso confuso tempo: Quem o fará?

É neste domínio que se batem totalitaristas e anarquistas, e todos os ocupantes de sua escala. Quem vai oferecer linhas de trem, serviços telefônicos e estradas de rodagem? Quem vai garantir o vestuário e a alimentação das famílias? Quem vai escolher a cor das paredes da casa, o estilo dos móveis e a hora de dormir das crianças?

O liberal dirá que nada disso deve ser feito pelo governo. E nós também. Mas um liberal aceitará que uma empresa, possúida por um homem, faça não somente o trem e o telefone, mas também a escolha das cores da parede e da hora de dormir de seus filhos. E a isso dará o nome de individualismo, dizendo que nele o governo não manda.

Uma distinção que quase nunca se faz, para bem analisar esta questão, é a existente entre pessoa e indivíduo. O próprio Gustavo Corção diz, em Três Alqueires e uma Vaca, que não tenta essa distinção por temer não saber desenvolvê-la à Maritain, autor de quem ele aprendeu neste assunto. Vamos, portanto, tomar aqui apenas a definição de pessoa como um todo aberto, existencial até, em comércio (para não dizer comunhão e exasperar os céticos) com as outras pessoas, enquanto pessoas e enquanto sociedade. E indivíduo seria um todo fechado, que não comunga e nem mesmo possui qualquer comércio com as outras pessoas, exceto o da disputa.

Trata-se, portanto, de escolher para a sociedade uma definição que vá combinar com o que ali sejam as pessoas. Se a cidade é obra comum dos homens, e posse comum dos homens, ou se é a aglomeração das obras privadas dos indivíduos, mesmo que associados (e com que fim?).

Ao adotarmos a idéia de obra comum e posse comum, afastamo-nos imediatamente do capitalismo e do comunismo. No capitalismo, apesar da liberdade de domínio, a posse é uma coisa rara - e é essa sua maior vergonha. O maior fracasso de nosso tempo não acontece nas alfândegas e nos bancos internacionais, não importa o que os números digam. É na cidade, onde pessoas jovens, instruídas e dispostas não conseguem, com seu trabalho, ter casa, e a precisam alugar.

O que torna o capitalismo um pouco melhor, diríamos, é que nele pelo menos há uma possibilidade de posse, coisa que no comunismo não existe. E isto é verdade; mas não verdade eterna. Vamos reinvocar nosso Judeu Errante. O João acredita que, em nossa sociedade, o interesse que move as pessoas é simplesmente o lucro. Isto seria crível, se fosse possível; mas não é. Um sistema que trata de concentrar a propriedade até os níveis da extrema abstração, tirando das pessoas a casa e a roupa, não pode desejar o lucro, isto é, que a produção de riqueza seja mais veloz que o seu consumo; para isto ser possível, é necessário que ainda haja algum consumo, o que a própria tendência aglomerante do lucro vai dificultando até a impossibilidade.

É claro que a produção e o consumo não podem seguir um mesmo ritmo, e por isso o capital é desejável, como abstração da mesma riqueza que se produziu ou que se vai produzir. É uma prova da humanidade do comércio, porque se processa na inteligência, se apóia sobre uma convenção, isto é, um acordo e uma promessa, e pode ser associado livremente por seu possuidor a qualquer bem concreto que este deseje.

Mas a capitalização extrema e exagerada - o fato de que a maior parte do dinheiro do mundo existe apenas em registros nos sistemas de informática dos bancos - em si é má, por sua intenção e por seus frutos; mas antes é falsa, porque dissocia o símbolo de seu significado. Isto, com o tempo, gera loucura; uma loucura na qual o homem esquece de que não se pode comer o dinheiro, nem morar nele, nem se vestir dele; mas ainda mais impossível é fazer isso com dinheiro eletrônico, isto é, com o abstrato ao quadrado.

***********************

Parece que eu já reclamei bastante, e por uma estranha etiqueta de nosso mundo moderno, devo sugerir uma terapêutica mesmo que não esgote o diagnóstico. Vamos a isto, então.

Quem de nós não acredita no muito humano desejo de posse? Quem duvida que mesmo no mais comunista dos mundos, ainda não desejaríamos uma casa para pintar da cor que quisermos, filhos para mandarmos dormir e um pudim para comermos então, junto a um cônjuge que escolhemos por nossa própria vontade? Quem duvida que esta é a imagem mais próxima que se pode ter, neste vale de lágrimas, do paraíso que perdemos um dia - e do qual temos todos uma memória mais ou menos viva?

O que sugiro, então, é que tomemos todas as nossas armas para defendermos nossa família, nossa casa e nossas coisas, as pequenas coisas que tantas vezes se sacrificam por nós: o tabuleiro que suporta o calor do forno para nos trazer um bolo, o livro que, mesmo maltratado pelos nossos dedos, nos ajuda a contar uma história para que o filho durma.

Os objetos, as boas coisas da casa, não são livres mas são fiéis. Quero crer que é de seu espírito a fidelidade que possuem. Que mesmo que os brinquedos acordem quando meu filho dorme, eles se apressam a voltar à passividade enquanto vêm a manhã, para servi-lo como ele desejar.

Por isso, então, sugiro: Defenda você a sua vida, a sua casa e as suas coisas. Mas acima disso defenda o seu direito de viver, de morar e de possuir, isto é, o meu direito, e o direito daquele mendigo que vai passando ali na esquina, e até mesmo o direito do Bill Gates: O direito que Deus nos outorgou no paraíso, e que nunca revogou, mesmo quando o condicionou ao suor do rosto, de ter vida, casa e um vinho decente para acompanhar um queijo honesto.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Voto Nulo

Eu opto sempre pelo voto nulo. Não por achar que, com ele, tenho possibilidade de mudar alguma coisa, mas porque, vivêssemos num país em que a liberdade individual fosse levada mais a sério, eu sequer votaria. Nas últimas eleições presidenciais, no entanto, lembro-me de ter votado em Alckmin — com o único propósito de impedir o segundo mandato de sabemos quem. Mas em nenhum momento cheguei a considerar as propostas do PSDB, como jamais considero proposta política alguma: — não importa quem são, o que pensam e no que crêem, se em Deus ou no diabo: — se chegarem aonde pretendem, isto é, aos cargos que almejam, é porque terão corrompido, pelo caminho, um tanto de pessoas e um outro tanto de princípios. Não porque, para fugir do clichê, o poder corrompa, mas simplesmente por serem brasileiros, e por terem que encarar, em razão disso, um processo viciado: — não há quem nele sobreviva sem imiscuir-se nos esquemas. Minha postura política é, por conseqüência, sempre negativa. Não apóio candidato algum, senão por, em alguma eventualidade, considerá-lo um mal menor, por temer um prejuízo ainda maior com a eleição de um candidato ainda pior, e por não ter, em resumo, a opção de não votar.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

XI.
Onde, neste labiríntico jardim
ocultarei a face?
antes, além de mim,
havia outro, até que o matasse.

Que marca me darás? Quem me guardará
dos terrores eternos?
a terra em que pisar
não há de me queimar com seu inferno?

Estes prados desertos encherão
Os feros vingadores
Do sangue de seu irmão,
Atrás de quem de novo trouxe as dores

Para seu povo; a velha maldição
Torna amargo o mais doce
Fruto, e vermelho o chão.
Se diferente a minha pena fosse

Seria por um delito diverso:
o golpe com a destra
foi são, mas foi perverso.
A minha inveja, esta maior e mestra

culpável do que em mim se passou:
Por ela achei ruim
Tudo, mas não o que dou.
Um boi é um magnífico capim,

Apenas um magnífico capim!
Não vale quem suou
Sob sol tão quente assim,
Não amas, pois, quem a chuva molhou

E nem por isso desistiu de arar
O chão, mesmo no inverno;
Nada vale plantar?
Não nos negaste o alimento eterno?

De onde tiraríamos o pão
senão de entre os suores
e da abnegação,
senão pulando do leito aos albores?

Não somos prisioneiros de teu não?
Somos! Se assim não fosse
tocava-me o perdão,
agora – e também quando meu irmão

Meu ódio mereceu: Desde o berço
A ele tu adestras,
E tudo quanto exerço
Ele o faz melhor, e te seqüestra,

Senhor, com uns bezerros! E a mim
Que ofertei doutra classe
O que podia; assim
Me repudias! Onde a minha face

Ocultarei neste infernal jardim?

Eu sou uma pessoa muito humilde, e até choro pelos pobres.

A propósito da parábola do fariseu e do publicano, Lc 18:9-14, é bonito notar como os cristãos modernos identificam-se, humildemente, com o segundo, apesar de orarem como o primeiro:

— Obrigado, Senhor, por eu não ser orgulhoso nem hipócrita como aquele cristão conservador, que, ao contrário de mim, ora de si para si.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

E mais um post político

Igor, é claro que concordo com você quanto ao fato de que se a sociedade viesse a Cristo ela seria curada; isto não está em disputa. Concordo que seria possível (embora não seja, tristemente, provável) a população inteira voltar para Deus. E concordo que as pessoas precisam parar de ver seus pecados como aspectos intrínsecos de suas vidas, e passar a vê-los como são, como escravidões e correntes que os prendem, e que precisam ser despedaçadas. Amar aos que nos cercam e criar nossos filhos no temor do Senhor- em tudo isto concordamos, e nisto fica claro que concordamos no essencial. Tendo dito isso...

O que Lewis está dizendo é justamente que uma "autoridade legitimamente exercida em nome de Deus" é quase uma impossibilidade. Em todo lugar em que já foi praticada ela resultou em perseguições e expulsões, exílios e torturas. Em todo lugar em que ela já existiu- até mesmo no trono de São Pedro- homens corruptos e famigerados de poder tomaram as rédeas desta autoridade e a usaram para seus próprios fins. Até em Israel os filhos de Eli se aproveitaram da autoridade de seu pai para roubar e dessacrar o altar de Deus, a ponto do povo clamar por aquela mais estranha e gentia das instituições. O povo, cansado de uma teocracia roubada pelos homens, implorou por um rei. E Deus, para ensinar-lhes uma lição em realpolitik, lhes deu Saul.

Está certo que esta sociedade nem merece ser governada diretamente por Deus- ora raios, nem os filhos de Deus merecem ser governados por Deus, injustos como somos. Mas o que Lewis diz, e eu concordo, é que nenhum grupo humano que existe hoje, nenhuma instituição atual, nenhuma igreja ou organização, ou coterie ou clã ou governo, merece o poder incontestável de uma teocracia. Ninguém tem a ficha tão limpa e um histórico tão honesto a ponto de assumir o status de governante político oficial em nome de Deus. O estado laico/liberal é horroroso, certo, mas ainda não é pior que um super-estado governado por manipuladores e zelotes, seja ele uma ditadura da igreja ou do proletariado.

E aqui está a diferença- e posso estar enganado, corrija-me se estou- entre nós. Você parece dizer, "A situação atual é atroz, tudo se corrigiria com o Regnum Christi na vida de todos; e as coisas seriam pelo menos melhores com um governo tipo monarquico/feudal. Do jeito que as coisas estão, voto nenhum faz diferença; vote nulo, tks." Eu digo, "A situação atual é atroz, tudo se corrigiria com o Regnum Christi na vida de todos; porém, a mera hipótese de uma monarquia ou governo religioso me dá calafrios; por isso, preciso ter alguma medida de fé na democracia, porque não vejo outra solução política; por isto voto, mesmo sabendo que há 90% de chance do patife no qual estou votando ser pior do que o patife que já ocupa o cargo." Você diz que nossa democracia é uma piada, e portanto tem alguma medida de fé numa alternativa futura; eu acho que as alternativas futuras propostas até agora são um carnaval de horrores, e por isso preciso ter alguma fé, por mais fraca que seja, na democracia atual. Não é que um é crédulo e o outro é cético; é que cada um desconfia daquilo no qual o outro é forçado pelas circunstâncias a confiar.

E já que você falou meio esnobemente do Lewis- e como sou um anão derivativo e copiador- vou apelar:

O ponto fraco do argumento que Carlyle faz em favor da aristocracia reside em sua frase mais celebrada. Carlyle disse que os homens são, em sua maioria, tolos. O cristianismo, com um realismo mais seguro e reverente, diz que todos os homens são tolos. Esta doutrina é ás vezes chamada da doutrina do pecado original. Ela também pode ser descrita como a doutrina da igualdade universal dos homens. O ponto essencial é este: qualquer perigo moral primário e abrangente que pode afetar um homem pode, de fato, afetar qualquer homem. Qualquer homem pode ser um criminoso, se tentado; qualquer homem pode ser um herói, se inspirado. E esta doutrina lança fora a confiança patética de Carlyle (e a confiança patética de qualquer outra pessoa) num grupo de "poucos homens sábios". Não existe um grupo de poucos homens sábios em poder. Toda aristocracia que já existiu se comportou, em todos os pontos essenciais, exatamente como uma pequena turba. Toda oligarquia é meramente um bando de homens na rua - isto é, uma coisa muito jovial, mas nunca infalível.

-- G. K. Chesterton, Heretics.

Termino aqui

Vocês já sabem o quê.

O João vem com C.S. Lewis pra cima de mim. C.S. Lewis chega a ser um bom autor, até, mas acho interessante como o João escolheu um texto em que ele apregoa um vago ceticismo político para contrastar com a minha série tão crédula que já recomendou o voto nulo duas vezes.

"Vote nulo" é o meu "Delenda Cartago". No restaurante, depois de pedir uma coca zero, sempre digo ao garçom: "Vote nulo, também, ok? tks". No banco, pago contas e peço ao caixa que vote nulo. Até depois de bom dia eu acrescento a tal fórmula. E C.S. Lewis, acreditando-se muito cético em política, me chama de intoxicado por defender que a política seja teorizável e demonstrável, mesmo sabendo que a vida das pessoas, das famílias, das cidades e nações não seja.

E é neste ponto que precisamos insistir, para salvaguardar tanto nossa teoria política quanto nossa vida pessoal. Certos democratas acreditam que a democracia consiste em que a vontade da maioria se traduza em lei. Como se diz na Torre de Marfim, a maioria gosta é de pão com merda - e de preferência com pouco pão. Dúvidas podem ser dirimidas aqui.

Minha alternativa, como já disse ao João, é o Regnum Christi. Que todos se convertam à Vera Cruz, e o problema político será o menor. Se isto acontecesse, até mesmo as piores estruturas políticas e econômicas passariam a funcionar e em tempo se alterariam para formas melhores.

"Ora, mas isto não é possível! Converter todas as pessoas? Toda uma população?"

Calma. É possível, sim. Basta você esquecer sua concepção de que uma religião é um clube, onde somente certo tipo de gente é bem vinda, e passar a aceitar uma religião que te aceitaria como você é.

"Como eu sou? Gostando de pornografia, mentiroso e preguiçoso?"

Meu amigo, isto não é você; estas coisas são carrapatos na sua casca. Arranque-os, lave-se, e você ficará sabendo quem é você, o quanto você vale e do que você é capaz.

A primeira necessidade será de se tratar melhor; ser melhor para você mesmo. Não se engane. O Cristianismo não tem nada a ver com se odiar, se aniquilar, etc. Santo Antão no deserto, sem comer, nem beber, estava fazendo um enorme bem a si mesmo - e quando Jesus nos diz que para segui-lo, devemos nos negar a nós mesmos, ele está pedindo para afirmar Jesus em nós; o que é vantagem pessoal.

Há, é verdade, dois tipos de amor de uma pessoa por si mesma, o que dificulta nosso entendimento. Posso desenvolver isto numa outra série de posts. Por agora, fiquemos com a certeza de que amar a si mesmo pode ser válido e bom, ou pode ser injusto e mau.

Depois disso, haverá a necessidade de tratar melhor as pessoas de sua casa. Seus pais e irmãos, seu cônjuge e filhos. Mas isso até os pagãos fazem! Então façamos melhor. Ame-mo-los, não segundo a carne, mas segundo seu espírito.

Quantas mães, "boas mães" na voz do mundo, providenciam para que seus filhos amados se alimentem, se agasalhem e estudem, mas esquecem de sua alma imortal? Quantas educam para que o filho tenha casa e carro, mas não para que ele possa ir para o céu?

Se até aí estivermos indo bem, será fácil amar também nossos vizinhos e compatriotas. Será perfeitamente possível trazer nossa contribuição para o bem comum, e será perfeitamente desejável usufruirmos juntos deste bem comum.

E numa sociedade onde o bem comum é o supremo objetivo material, pouco importa se temos uma monarquia, uma aristocracia ou uma democracia. Na verdade, embaixo desta máscara, tudo que temos é uma Teocracia; e um mundo onde já não se vê como ser governado por uma autoridade legitimamente exercida em nome de Deus pode ser melhor que o horroroso estado laico já não merece esta honra de ser governado em nome de Deus.

Um comentário pessoal: De todas as formas de governo, me parece que a superior é a Monarquia, pois é análoga ao Reino de Deus. E entre as formas econômicas, o feudalismo é superior por subentender lealdade e cooperação. No entanto, para o mundo moderno, é mais adequado o distributismo, isto é, o sistema econômico baseado no pequeno negócio, na pequena propriedade e na pequena fábrica. De fato, nenhum homem deveria ter fazendas do tamanho de estados; mas ainda pior é que muitos homens nem tenham cem metros quadrados para plantar alface.