Este post do Augustus Nicodemus e uma conversa de ontem com a Laila me fizeram pensar das vezes em que já senti vergonha de ser evangélico. São tantas coisas que provocam esse sentimento. As calhordices dos bispos e apóstolos cujas ovelhas existem apenas para a tosqueia. O anti-intelectualismo que glorifica a burrice barulhenta. Os evangelistas e cantores cujo status de superstar dentro das igrejas denuncia nossa ignorância e vulgaridade. A chatice de nossa música, nossos romances, nossos filmes, que tão raramente demonstram qualquer vestígio de brilho ou originalidade, mas são apenas cópias de cópias de arte secular- e má arte secular. A banda que é o Blink-182 evangélico; o Calcinha Preta gospel; os funkeiros da fé.
O problema é que mesmo enquanto enrubescemos de vergonha com as safadezas e cretinices do mundo evangélico, estamos engolindo a mentira de que ser evangélico é isso que os apóstolos e as bispas e os baderneiros representam. E não é. O problema é que nós deixamos os falsos pastores e os vendedores da fé se posicionarem na sociedade como os porta-vozes do mundo evangélico. Nós- com nossa ausência, nossa apatia, nossa falta de vontade de colocar a cara para bater- deixamos que a moeda falsa passasse por verdadeira, e que essa corja desonesta se fizesse o rosto do evangelicalismo brasileiro.
Daí vem os iluminados, os sábios entre nós que, no desespero de serem confundidos com a turba burra, já vão esclarecendo que não são evangélicos. Esses batistas, assembleianos, presbiterianos, metodistas tropeçando um sobre o outro na pressa de dizer que evangélicos são os outros. Eu não sou evangélico, sou seguidor de Cristo. Eu não sou evangélico, sou reformado. Eu não sou evangélico, sou protestante. Eu não sou evangélico, sou cristão. Já abandonamos o termo "crente"- qual foi a última vez que você ouviu alguém dizer, em público, "Eu sou crente"?- e agora estamos abandonando o termo evangélico, para não sermos jogados no mesmo balaio que os neopentecostais. Trememos de medo da reprovação alheia, dos olhares de zombaria, das perguntas do tipo "Mas você não acredita realmente que _______, acredita?"
É um ciclo. A liderança cínica de algumas igrejas propaga algum absurdo, nós escondemos num cantinho com vergonha, disfarçamos que não somos evangélicos- e você não me engana, seu batista que acha que beber cerveja é pecado, você É evangélico- e os charlatães consolidam-se como as vozes mais conhecidas (e logo, se não tomarmos cuidado, serão as únicas vozes) do evangelicalismo no discurso público.
Já chega. Estamos cansados de sobrar pra nós- crentes sérios, tolerantes, amantes de Deus, servos da Palavra- quando esses ladrões aprontam? Então vamos abrir a boca. Vamos confrontar essas pessoas, vamos expor seus enganos, vamos mostrar que ser evangélico não significa ser um idiota. Vamos dar uma surra de Bíblia nesse povo. Vamos mostrar que arte crente não precisa ser- ora raios, nunca deveria ter sido- derivativa. Vamos boicotar a marcha pra Jesus.
E vamos nos chamar, sim, de evangélicos. De crentes. E dessa vez, sem vergonha.
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
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Um comentário:
Sabe o formpsring? Vejo ali qualquer qualidade que diferencia o formato do diálogo e o formato da tese na filosofia, se é que a escolha de Platão por aquele formato a este tinha uma boa razão de ser. Perguntei ao ASS, no seu formspring, se ele conhecia evangélicos inteligentes. Ele me indicou este blog.
Deste seu texto, pensei na razão de eu mesmo, abrindo uma conta no formspring, ter superado a vergonha à palavra "evangélico" e tê-la usado desde o título: http://www.formspring.me/faqevangelico. As palavras funcionam muito dessa maneira: conforme aumenta a demanda por um significado mais preciso da palavra - seja por uma necessidade de se diferenciar do que antes era mais abrangente, seja pela ramificação do seu primeiro significado mais básico -, novas palavras são buscadas, primeiro, como subgêneros da primeira. Depois, já que o pé já está fora mesmo, o subgênero vai se sentindo à vontade em não se confundir de todo com a primeira palavra mais abrangente. E assim nascem palavras não-marcadas, que podem significar uma ou muitas coisas (p. ex. "homens"), e palavras marcadas, que necessariamente significam apenas uma coisa (p. ex. "mulheres").
Quando criei aquela página, confesso que passei pelo tema deste texto: do desconforto de compartilhar com uma palavra que descreve muitas coisas com as quais eu não me identifico ("evangélico"), mas do malandro, maroto! desejo de ser capaz de fazer essa palavra abrigar a minha identidade de modo que surpreendesse a generalidade óbvia esperada nela. Algo como "vamos ver o Evangélico dizendo aquelas coisas de sempre", e no fim, opa, não encontrar ali o rótulo acima da identidade, ainda que o nome ainda seja "evangélico".
Escrevo pra elogiar o blog e pra convidá-los à tal paginazinha do formspring, que está modesta (nem me dei ao trabalho de sair divulgando por aí) e divertida afinal.
Um abraço!
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