quarta-feira, 6 de agosto de 2008

E mais um post político

Igor, é claro que concordo com você quanto ao fato de que se a sociedade viesse a Cristo ela seria curada; isto não está em disputa. Concordo que seria possível (embora não seja, tristemente, provável) a população inteira voltar para Deus. E concordo que as pessoas precisam parar de ver seus pecados como aspectos intrínsecos de suas vidas, e passar a vê-los como são, como escravidões e correntes que os prendem, e que precisam ser despedaçadas. Amar aos que nos cercam e criar nossos filhos no temor do Senhor- em tudo isto concordamos, e nisto fica claro que concordamos no essencial. Tendo dito isso...

O que Lewis está dizendo é justamente que uma "autoridade legitimamente exercida em nome de Deus" é quase uma impossibilidade. Em todo lugar em que já foi praticada ela resultou em perseguições e expulsões, exílios e torturas. Em todo lugar em que ela já existiu- até mesmo no trono de São Pedro- homens corruptos e famigerados de poder tomaram as rédeas desta autoridade e a usaram para seus próprios fins. Até em Israel os filhos de Eli se aproveitaram da autoridade de seu pai para roubar e dessacrar o altar de Deus, a ponto do povo clamar por aquela mais estranha e gentia das instituições. O povo, cansado de uma teocracia roubada pelos homens, implorou por um rei. E Deus, para ensinar-lhes uma lição em realpolitik, lhes deu Saul.

Está certo que esta sociedade nem merece ser governada diretamente por Deus- ora raios, nem os filhos de Deus merecem ser governados por Deus, injustos como somos. Mas o que Lewis diz, e eu concordo, é que nenhum grupo humano que existe hoje, nenhuma instituição atual, nenhuma igreja ou organização, ou coterie ou clã ou governo, merece o poder incontestável de uma teocracia. Ninguém tem a ficha tão limpa e um histórico tão honesto a ponto de assumir o status de governante político oficial em nome de Deus. O estado laico/liberal é horroroso, certo, mas ainda não é pior que um super-estado governado por manipuladores e zelotes, seja ele uma ditadura da igreja ou do proletariado.

E aqui está a diferença- e posso estar enganado, corrija-me se estou- entre nós. Você parece dizer, "A situação atual é atroz, tudo se corrigiria com o Regnum Christi na vida de todos; e as coisas seriam pelo menos melhores com um governo tipo monarquico/feudal. Do jeito que as coisas estão, voto nenhum faz diferença; vote nulo, tks." Eu digo, "A situação atual é atroz, tudo se corrigiria com o Regnum Christi na vida de todos; porém, a mera hipótese de uma monarquia ou governo religioso me dá calafrios; por isso, preciso ter alguma medida de fé na democracia, porque não vejo outra solução política; por isto voto, mesmo sabendo que há 90% de chance do patife no qual estou votando ser pior do que o patife que já ocupa o cargo." Você diz que nossa democracia é uma piada, e portanto tem alguma medida de fé numa alternativa futura; eu acho que as alternativas futuras propostas até agora são um carnaval de horrores, e por isso preciso ter alguma fé, por mais fraca que seja, na democracia atual. Não é que um é crédulo e o outro é cético; é que cada um desconfia daquilo no qual o outro é forçado pelas circunstâncias a confiar.

E já que você falou meio esnobemente do Lewis- e como sou um anão derivativo e copiador- vou apelar:

O ponto fraco do argumento que Carlyle faz em favor da aristocracia reside em sua frase mais celebrada. Carlyle disse que os homens são, em sua maioria, tolos. O cristianismo, com um realismo mais seguro e reverente, diz que todos os homens são tolos. Esta doutrina é ás vezes chamada da doutrina do pecado original. Ela também pode ser descrita como a doutrina da igualdade universal dos homens. O ponto essencial é este: qualquer perigo moral primário e abrangente que pode afetar um homem pode, de fato, afetar qualquer homem. Qualquer homem pode ser um criminoso, se tentado; qualquer homem pode ser um herói, se inspirado. E esta doutrina lança fora a confiança patética de Carlyle (e a confiança patética de qualquer outra pessoa) num grupo de "poucos homens sábios". Não existe um grupo de poucos homens sábios em poder. Toda aristocracia que já existiu se comportou, em todos os pontos essenciais, exatamente como uma pequena turba. Toda oligarquia é meramente um bando de homens na rua - isto é, uma coisa muito jovial, mas nunca infalível.

-- G. K. Chesterton, Heretics.

Um comentário:

Igor disse...

Vou fingir que não vi Chesterton confundindo Aristocracia com Oligarquia. Chesterton não é nenhum Tomás de Aquino, embora seja muito melhor que Lewis.
Outra coisa que vou fingir não ter visto é a confusão entre autoridade legítima a priori e exercício legítimo da autoridade. Nesta, os bons atos denotam a legitimidade do princípio; naquela, o princípio tenta forçar legitimidade aos atos, no matter how bad.
O que todo mundo sabe, João, é que um governo que vise ao bem comum é superior a um que estimule o egoísmo. Porque o egoísmo não é lucrativo, já que o trabalho é, normalmente, obra de grupos, e não de pessoas isoladas. Exceto este nosso, mas aí também não é produtivo; não passa, no fim das contas, de palpitaria.