Eu tendo a fugir de interpretações tipológicas de quase toda passagem bíblica, o que ás vezes me rende protestos de alunos e amigos. "Como você pode dizer que (insira nome de personagem vetero-testamentário) não é um tipo de Cristo?" "Mas é claro que (insira figura vetero-testamentária) representa a Igreja!" "Cuidado, a letra mata, mas o espírito vivifica!" Após uma conversa com o Igor, decidi explicar meus motivos para rejeitar este tipo de interpretação.
A tipologia, na teologia, é uma forma de interpretar certas passagens do Antigo Testamento como alusões proféticas a figuras e doutrinas do Novo Testamento. Assim, certos personagens com características que lembram a Jesus são considerados, por alguns, como tipos de Cristo. A ovelha sacrificial é um tipo de Cristo, Jonas, que passou três dias na barriga de um peixe (a barriga do peixe, presumivelmente, sendo um tipo de inferno) é um tipo de Cristo, Josué, por ter o mesmo nome e liderar uma conquista, seria um tipo de Cristo. Outra categoria popular de tipos seria tipos da Igreja; a Sulamita de Cantares é um tipo da Igreja, a arca de Noé é um tipo de Igreja, e Israel é o tipo de Igreja par excellence. Tipos são fáceis de achar no Antigo Testamento. De fato, é praticamente impossível encontrar um personagem sequer de todo o Antigo Testamento que não pode ser visto como tipo de algum elemento da teologia cristã. E é isto que acaba gerando problemas.
Não há como negar, está certo, que os próprios autores néo-testamentários se serviram de tipos; o autor de Hebreus evoca a figura de Melquisedeque para compará-lo a Cristo, Paulo aponta para a Igreja como sendo Isaque, os herdeiros legítimos de Abraão, e o próprio Cristo aponta para a serpente que Moisés ergueu no deserto como sinal passado de sua crucificação. E se eles usaram tipos, não ouso dizer que tipos não existem. Podemos, e devemos, usar os tipos que eles nos deixaram, e estudar os mistérios que eles nos revelaram. Mas não podemos- não ousamos- descobrir tipos no Antigo Testamento se não há menção deles no Novo. Se o fizermos, corremos o risco sério e perigoso de inserirmos nosso significado, nossa leitura, nossas opiniões, sobre um texto que tem nada a ver com o que desejamos ler nele. Sacrificamos a palavra viva e real do Antigo Testamento em favor do catálogo particular de imagens e alusões que desejamos ver estampado sobre suas páginas.
A tipologia é uma caixa de Pandora. Uma vez que você comece a interpretar a Bíblia desta forma, é praticamente impossível traçar um limite de onde parar, e você passa a enxergar Jesus atrás de todo arbusto. Quem começa a ver Jesus em um tipo fica sem recurso, sem defesa, para protestar quando outros vêem Jesus em outro tipo; e logo o Antigo Testamento deixa de existir como registro da história do povo de Deus, e passa a ser um longo prelúdio ao Novo Testamento. O Antigo Testamento deixa de existir em seu próprio direito, e vira apenas um índice ilustrativo dos personagens do Novo Testamento. Todo o vasto épico de Israel se esvai, perde seu poder e seu significado, e perde sua significância histórica, visto que o que antes era tido como história sagrada passa a ser lido como profecia. E profetas, como até Nosso Senhor o confessou, são os mais mal-compreendidos e mal-aceitos dos homens.
O problema com a tipologia é que todos podem enxergar diferentes tipos em diferentes personagens bíblicos. Toda figura do Antigo Testamento pode virar um tipo de Cristo, até mesmo o nome mais obscuro ou o canalha mais baixo. Faraó é um tipo de Cristo, pois os monumentos com sua face cobrem toda a terra. Labão é um tipo de Cristo, pois o povo de Deus o serve. Pelegue é um tipo de Cristo, pois em seus dias a terra foi dividida, e Cristo vem não para trazer paz, mas para dividir com uma espada. Saul é um tipo de Cristo, pois Cristo é um rei forte e poderoso, o primeiro de seu povo. Sansão é um tipo de Cristo, porque os filisteus são- é claro- um tipo de Satanás, e Cristo derrota Satanás. Dalila é um tipo de Cristo, pois seduz até aos mais fortes, e enfraquece os soberbos. Jezabel é um tipo de Cristo, pois é reconhecida pelas palmas das mãos. Eglom é um tipo de Cristo, porque nele há abundância e fartura. Balaão é um tipo de Cristo, porque andou montado sobre uma jumenta. E a jumenta de Balaão, óbviamente, é um tipo da Igreja, porque Cristo está sobre ela.
quinta-feira, 24 de julho de 2008
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