quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Hooligans de Covadonga y otras cosas

É uma questão de saúde mental: O católico que hoje não viver espiritualmente em Covadonga é obrigado a viver num acampamento do MST. Faça sua escolha.

Protestantes ainda tem suas Utrechts e Canterburys, mas nós não. Tudo que era nosso se corrompeu. O excesso de beleza, em Viena por exemplo, é mais que decadente - é decadentista. Só em Roma temos ainda alguma glória, mas ameaçada por Satanás, que lá também posui um trono (ainda oculto).

Por isso, não me venham com bodoques, ou levantarei a espada de Carlos Magno. Ora, estamos na Internet. Aqui não corremos risco algum, isso nem é coragem. E ninguém vai sair ferido. Não vejo motivos para qualquer briga horrorizar ninguém.

É claro que o blog tem que ser produtivo; o que não vejo é porque um pouco de combate vai ser sempre anti-produtivo. Viemos fazer mais prisioneiros para Cristo, como dizíamos. Isso pode incluir alguma violência - quem o nega?

E agora, algo completamente diferente.

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O sentimento religioso mais horrível, pernicioso e daninho que existe é o clubismo. É pessimo entre os protestantes, mas ainda pior em católicos. Achar que a graça de Deus é insuficiente para certas pessoas, acreditar na existência de casos incuráveis, é duvidar de uma certeza ontológica do cristão: A corrupção generalizada, ou o pecado original. Todos, sem exceção, somos pecadores e merecedores do fogo do inferno. Até o maior dos santos depende da misericórdia de Deus. Mesmo Nossa Senhora, concebida sem pecado, somente foi livre do pecado por um dom especial, uma graça específica, da parte de Deus; podemos dizer, por sua misericórdia.

Daí dizermos que não há pecador sem esperanças. A todos Deus pode salvar; o sangue da nova e eterna aliança foi derramado por muitos.

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Sobre os assuntos mais recentes, isto é, o quanto nossa confissão cristã afeta nossos hábitos, eu penso o seguinte. Tudo que fizermos por caridade conta para nossa salvação. Para equalizar o problema caridade versus fé, eu declaro de saída que a caridade é fruto necessário da fé, e portanto inseparáveis; a caridade operando pela vontade e a fé pelo intelecto, provindo, porém, ambas, da graça de Deus.

Portanto, pecamos quando agimos sem caridade, quando julgamos sem fé ou quando cremos sem esperança.

Então, é mais pecaminoso se abster de cerveja sem caridade - digamos, para obedecer a um capricho pessoal ou para castigar-se de outros pecados imaginados - que bebê-la em boa disposição. Corruptio optimi pessimi: As privações e abstinências são a coisa melhor da vida, mas somente se vistas como meio de ascese; quando são enxergadas como fins, são piores que a vida religiosa mais básica, que para o católico exige apenas oração diária, missa dominical, dízimo segundo o costume e jejuns quando for o caso, além da obediência aos mandamentos de Deus.

Isso porque a simples obediência leva ao céu, mas a obediência orgulhosa, levada aos extremos, não. A isso aludiu São Cipriano, exortando os membros de uma igreja em sua diocese a que não deixassem de combater a peste que lhes ia ceifando vidas, mas que não se revoltassem por morrerem desta forma, e não martirizados, como prefeririam.

O que não vêem é que o martírio, e o anacoretismo, e as outras grandes exigências da vida religiosa, são para poucos. E para os poucos capazes de responder ao que Deus lhes pede. E sempre que Deus o pede, é para o bem comum. É do sangue dos mártires, junto do Sangue de Cristo, que a Igreja cresceu. É do impulso de Santo Antão vencendo a Satanás que podemos, diariamente, lutar contra este nosso grande inimigo. Porque alguns já o fizeram, todos podemos fazê-lo novamente. Mas se Deus prefere que você alimente seus filhos e deseje bom dia às velhinhas na rua, isto já é o suficiente para Ele.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Quem sou eu?

Estava relendo este post do Nagel e realmente acredito que ele esteja correto ao dizer que "não há ligação alguma entre a minha crença na Trindade e meu desgosto por cigarros; entre minha esperança na ressurreição e meu desinteresse por cerveja". Sim, é verdade, mas é uma verdade que apenas a exceção aplica ou entende. Eu não culpo a mocinha achar que ele não sai pra balada por causa da igreja. A igreja se deu essa fama, e como dizer que não é assim? Qualquer "desculpa" que formos dar vai parecer exatamente isso, uma desculpa.

Comecei a pensar na minha identidade, em quem eu sou e como eu identifico. E eu sei que não é verdade, mas acredito que pra uma boa parte da população brasileira se eu disse que sou crente, vão pensar que no fim de semana eu uso terno e minha mãe usa saia o tempo todo. Se disser que sou evangélico, logo vão pensar que eu sou um tapado que dou dinheiro pra um pastor pilantra que chuta santinhas. Se eu disse que sou cristão a situação melhora um pouco, mas é bem provável que me liguem mais aos católicos que àquilo que realmente sou. Se eu disser que sou um "discípulo de Cristo", me sinto como um místico, similar a um "discípulo de Buda", ou um cara fugindo daquilo que realmente é, mas isso pode ser só preconceito meu. Eu me sentiria muito esquisito dizendo que sou um "discípulo de Cristo" pra alguém... Falha minha.

Daí vem a pergunta: eu deveria me importar? O que as pessoas pensam e concluem sobre mim é importante? Num primeiro momento eu penso "Não, que isso, eles que se danem, eu não posso me envergonhar do evangelho". Mas daí eu penso de novo... Eu não tenho vergonho do evangelho, mas tenho muita vergonha dos evangélicos, crentes e cristãos que existem por aí. Não porque eles erram em alguns pontos. Errar todos erramos. Mas por terem colocado na cabeça do mundo de que eles nunca erram. E agora, quem sou eu?

sábado, 23 de agosto de 2008

Bucha minor

b.m. Pergunta em que ele está errado, depois de se ofender por eu chamá-lo de burro - o que ele é. É burro, principalmente por não saber, ainda, que nem sempre os burros estão errados. É possível ser um imbecil e, ainda assim, ter razão. Mas este não é o caso dele.

Eu não deveria perder mais tempo com esta pessoa. Mas não quero dar a impressão de que não tenho uma resposta. Não se trata de vaidade; é antes uma recusa a dar a palma a um porco. Para não lhe dar a palma, dou pérolas. E nisto, mesmo não sendo burro, estou errado.

A questão começou assim: Gustavo Nagel escreveu este post, que em resumo afirma que a liberdade individual não combina com o voto obrigatório. O que é verdade. Eu diria, mesmo, que o conceito de democracia não combina com o voto obrigatório. Se somos reais democratas, valorizamos a vontade das pessoas mais do que seu voto.

Daí, surgiu-nos uma diva, dizendo que postura do Nagel era não somente estúpida, mas invariavelmente estúpida. Vou ignorar o advérbio desnecessário e sem sentido. Vou me concentrar no adjetivo. Uma postura estúpida só pode ser mantida por uma pessoa estúpida. Uma pessoa sábia pode errar, mas não estupidamente. Temos uma ofensa, e onde há ofensa há ofensor.

Eu cheguei a comentar, fazendo piada, a seguinte frase: "Who let the dogs out, who, who, who, who, who?" Confesso que esqueci as vírgulas e ponto de interrogação, mas sendo uma óbvia brincadeira, pouco importa. A pergunta era motivada pela incivilidade do nosso homem sem nome. Preocupado de ser mal interpretado, pouco depois fiz outro comentário. Não queria que houvesse ambigüidade: Quem seria o dog out, bm ou Nagel? Portanto, aproveitei uma outra injúria do bm para comentar que "b.m. = PT"

O Nagel declarou, lá pelas tantas, que só votara em Geraldo Alckmin para não impedir o Lula de ascender ao trono. Nunca disse porque não queria Lula lá. Somente que não queria. Aqui, temos de novo o problema do mal menor, que eu interpreto radicalmente, enquanto meus companheiros de blog, nem tanto. Desta posição, que qualquer pessoa normal considera aceitável (até eu que não a aceito pessoalmente), b.m. tirou suas conclusões: Nagel não gosta do Lula porque Lula é analfabeto, ou porque não sabe comandar, ou coisa assim; e ao fazê-lo, ignora o que se diz do presidente mundo afora e seus anos de líder sindical, etc.

Primeiro: Cada um escolhe seus critérios para eleger um presidente. Ser analfabeto ou comandante inepto, para mim, são coisas suficientemente ruins para desclassificar um candidato à presidência. Mas nunca o Nagel disse que não vota no Lula por isso. Sabemos, o homem tem outros defeitos, como ser ou, pelo menos, ter sido, excessivamente chegado ao álcool; usar metáforas cretinas freqüentemente; ser vulgar; declarar-se sem pecado, e muitos etc. Além disso, em seu primeiro governo, tivemos tantas evidências de corrupção extrema dentro do governo, principalmente em seu partido e outros da base, que julgo poder dizer que suspeita de corrupção também é um bom motivo para não votar nele.

Mas que fosse por não gostar dele, da barba dele, dos nove dedos dele - quem poderia censurar o Nagel por isso?

Somente uma pessoa capaz de usar, como argumento, o que o mundo diz do Lula, e seus anos como líder sindical. Sobre o que o mundo diz do Lula, eu sei, mesmo sem me interessar, que há quem fale mal, há quem fale bem e, principalmente, há quem ignore/despreze - eu incluído. O PT, com certeza, fala bem. Quem fala bem do presidente fora do PT fala exatamente como o PT. Já quem fala mal, pode fazê-lo de inúmeras maneiras.

Sobre os anos de líder sindical, eu não os vejo com tão bons olhos. Mas vejo ainda menos favoravelmente usá-los como prova de capacidade, por não se deverem a "sorte ou indicação". Não sei a idade do bm ou sua possível circulação nos meios sindicais do ABC paulista no fim dos anos setenta; mas sei que ninguém pode declarar, com absoluta certeza, que não houve sorte ou indicação no primeiro sucesso do presidente.

Mais de uma vez, tive notícias de supostos descobridores ou criadores do Lula político. Não dei atenção, e continuei não me importando se nosso atual presidente era ou não self made. Mas sei de algo: O apoio dos católicos ao Lula é devido ao apoio de uma parte do clero paulista, e logo do clero nacional, ao Lula. Estes mesmos clérigos, antes e depois, sempre foram bem pouco clericais, e muito demagógicos. Mas isto não é o assunto.

Portanto, eu digo: Se o seu argumento, frente a um "Não voto no Lula", são seus anos como líder sindical e a opinião da parte do mundo que o admira, seu argumento é petista. E se você realmente pensa assim, pouco importa a que partido você pertença. Como o PT mesmo dizia tempos atrás, "mesmo sem saber, você é PT".

Quanto à acusação dele, de que eu não sei ler, eu já respondi: Se ele soubesse ler, teria lido meu nome, e teria lido que eu nunca o acusei de pertencer ao PT, e sim o identifiquei com o partido. Quanto a ele não ler meu nome, entendo (ele não tem nome), mas não aceito. Meu nome está aqui, exposto. Usem-no, quando falarem de mim. Hombridade, caramba.

Quanto à sua identificação com o partido, não sei se ele está ciente de uma coisa: Nem sempre, pertencer a uma instituição, é estar fisicamente dentro da mesma. Por exemplo, nós católicos acreditamos que fora da Igreja não há salvação. Não porque não se possa ir para o céu sem passar pela porta de Roma; mas porque a própria idéia de Igreja é a comunidade daqueles que estão ou irão para o céu. Aquele católico que não for para o céu não pertence à Igreja, mas à sua estrutura visível. O não-católico que for para o céu, irá na medida em que tiver pertencido à Igreja, mesmo sem o saber.

Portanto, b.m., mesmo que você não tenha se filiado ao PT, você tem com este partido uma ligação profunda - mais do que uma filiação. E portanto, você é burro. Vulgarmente burro. E por ficar ofendido com isso, é um baitola, um sissy. E se você disse ironicamente que ficou ofendido, você é um babaca. E por usar fonte comic sans no seu blog, você é um trouxa. Agora suma daqui, vai pastar.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Um post muito honesto

Uma característica universal de pessoas grossas, sem gentileza, e (em alguns casos) sem caráter é o fato de todas se proclamarem muito honestas. Não estou dizendo que toda pessoa que se diz honesta é grossa, embora talvez não seja muito modesta; estou dizendo que se há falta de educação ou de virtude, há auto-proclamação de honestidade, sinceridade, e integridade de caráter. O visitante que diz que o almoço estava ruim, o homem que corta a fila na frente de todos descaradamente, a mulher que acha defeito em todo serviço, não importa onde, não importa a situação, a alma caridosa que te informa que seu carro é uma bosta, a fofoqueira que faz de meias verdades e atenção imerecida o pão e manteiga de seu espírito: note como todos, todos sem exceção, se orgulham de sua honestidade, de como eles não tem papas na língua e falam mesmo quando algo não lhes agrada. Note como são pessoas de ação, que não deixam as hipocrisias incoerentes da sociedade impedir suas pequenas iniquidades egoístas. Note como toda falta de caridade, toda crítica destrutiva e maldosa, toda fofoca, toda falta de boa índole é justificada, é santificada, é beatificada com refrescante honestidade. O mesmo ocorre com pessoas sem modos. Eu não lavo as mãos depois de ir pro banheiro porque sempre fui assim, e me recuso a ser hipócrita e esconder meu verdadeiro eu; minha vida seria uma mentira se eu parasse de limpar a boca na manga; não vou ser hipócrita e fingir que gosto da vovó só porque a sociedade espera isso de mim!

E a grande ironia é que o orgulho de uma virtude não é apenas imodesto e feio; o orgulho também revela o quanto aquela virtude é difícil (ou talvez até mesmo impossível) para você. A honestidade é uma virtude tão básica- quase digo tão banal- que quem se orgulha dela revela que tem o senso moral de uma criança. É como ser excessivamente orgulhoso, e sempre comentar com outros, sobre o fato de que você sabe amarrar os sapatos sozinho, ou escova os dentes todo dia, ou sabe andar de bicicleta sem as rodinhas. Contar a verdade é o mínimo que se espera de uma pessoa em qualquer contexto social ou moral; esperar ser congratulado quando você anuncia sua imensa sinceridade é como esperar um troféu por não calçar seus sapatos no pé errado.

domingo, 17 de agosto de 2008

É o amor...

Eu sei que já faz muito tempo que não apareço por aqui. Na verdade apareci uma vez só, mas logo pretendo aparecer mais vezes (assim que eu me demitir do meu atual emprego).

Estou aparecendo pra responder ao Igor naquela “brincadeira” que ele sugeriu a um tempão atrás... O tempo do assunto já passou, mas eu não quis deixá-lo sem uma resposta, mesmo porque eu disse que daria uma.

O problema agora é dar uma resposta depois que o João já deu uma. Assim fica complicado, difícil demais pra mim. Não me restou muito que dizer, mas vou tentar.

Enfim. O Igor perguntou lá atrás: “eles crêem que eu me salve pela fé. Mas basta mesmo ter fé? Creio em um só Deus, Pai Onipotente, e em Jesus Cristo, seu filho unigênito, Nosso Senhor - Isso basta para ir pro céu?”

Creio que não podemos nos esquecer que toda árvore dá seu fruto, e aquela que não dá fruto, está morta. A fé que o João tão bem nos explicou gera em nós verdadeira transformação e, apesar de Paulo nos dizer que não precisamos de nada além desta fé para que sejamos salvos, Tiago nos instrui a demonstrá-la. E isso porque não adianta nada a gente dizer que é alguma coisa se ninguém pode ver e comprovar isto. “Ah, mas Deus ta vendo, isso que importa...”, seria simples assim se nós não fossemos a Igreja, o Corpo de Cristo na Terra. E quem é Cristo? O que Ele representa pra nós? O que nós queremos que os outros enxerguem de Cristo em nós? É baseado nisso que devemos regrar nossas palavras e atitudes. Não adianta você dizer pra uma pessoa que a ama. A palavra nunca vai conseguir traduzir o amor, mas uma atitude sim, e esse tipo de atitude só é possível através de uma verdadeira transformação gerada pela fé que é o dom de Deus, conforme I Coríntios 13.

A fé, aquela que salva e transforma, é dom de Deus, é dádiva que nós escolhemos receber ou não. A diferença entre ela e o simples assentimento intelectual é o fruto. É o amor.

Consequências

Primeiro post de três.

O que quebra o coração em Gênesis 3, o que momentariamente nos faz esquecer de doutrina e história sagrada e tudo mais, e fixa nosso olhar nas figuras desoladas de Adão e Eva exilados do jardim, é a irreversibilidade da perda deles. Uma desobediência os faz perder absolutamente tudo. Perdem seu lar e a cooperação da terra. Perdem sua igualdade e sua tranquilidade. Perdem a paz na presença de Deus, a reação natural da humanidade ao revelar-se de Deus sendo, daquele momento em diante, terror maior do que o da morte. Perdem a si mesmos- a naturalidade em seus corpos, a justiça de seus corações, a vida que lhes pertencia por direito- e ganham apenas o conhecimento do mal contrastado com seu conhecimento do bem. O que é, no final das contas, como qualquer outro experimentar de um vazio; como a fome, como a solidão, como a sensação oca quando desmoronamos por dentro, e nos sentimos apenas uma fachada de pele e olhos. E eles passaram de plenitude ao vazio de forma absoluta e irreversível, para nunca mais se recuperarem.

A lição de Adão e Eva, que eles nunca esqueceram, e nós sempre esquecemos, é que somos condenados a viver para sempre com aquilo que escolhemos, que as marcas de nossas escolhas nunca desaparecem. Mesmo purificados de nossos pecados, carregamos as mil marcas que elas deixaram sobre nós- sobre nossa mentalidade, sobre nosso corpo, sobre nossa honra- que já nem podem ser extirpadas, porque são parte de nós, são cicatrizes indeléveis. Este é o drama do livre arbítrio: que Deus respeita nossas escolhas malignas ao ponto de permitir- se nós insistirmos- que elas nos acorrentem para sempre. Deus nunca desfaz o mal; Ele aceita apenas redimí-lo. A morte de Jesus é um lembrete brutal de que Deus não recusou-se a morrer para que fossemos redimidos; mas ele se recusa a estalar os dedos e apagar os erros que houveram.

No final, nossa reconciliação com Deus nos levará para muito além do Éden; mas o Éden em si nunca mais voltará. Podemos ser deuses; podemos ser recriados na imagem de Cristo; podemos brilhar como sóis na eternidade; mas nunca fomos, e nunca seremos, humanos. Não realmente humanos. A humanidade teve uma vida muito curta. Existiu com Adão e Eva, brevemente, e então dissipou-se em vapor e sombra. Quando Adão e Eva saíram do jardim, Deus pôs na sua entrada um anjo como sentinela, para garantir que nunca mais voltassem. O anjo era quase desnecessário. O Adão e Eva que viviam no jardim não existiam mais.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Um post que não merece ser lido

* Voltem para os posts abaixo e leiam-os novamente, repetidamente, para o fortalecimento de suas mentes e a edificação de suas almas. Neste post só encontrarão besteira. Olá.

* Esta semana estive em São Paulo para minhas primeiras aulas no mestrado. Chegando perto da universidade no carro de meu avô, e ouvindo-o dizer que estavamos na Ipiranga, notei que o cruzamento no qual estavamos parados, esperando a luz vermelha passar, era com a São João. Nada aconteceu com meu coração, mas fiquei curioso do que poderia ter de especial nesse cruzamento- as esquinas não tinham poesia concreta, mas tinham um Habib's e dois cinemas pornográficos. Acho que hoje entendo a cabeça do Caetano Veloso um pouquinho melhor.

* Mas eu brinco, São Paulo. Depois de ver quantos sebos existem naquela cidade, sinto uma vontade pequena e quieta- mas persistente- de quem sabe morar lá algum dia. Paulistanos, convençam-me por favor de que é uma má idéia.

* Li esta semana O Povo Brasileiro de Darcy Ribeiro (passei muito, muito tempo esperando em aeroportos), e (além de qualquer outra observação que um protestante branco, homem, heterossexual, burguês e opressor do povo e da história do povo poderia fazer) me surpreendi com o quanto Ribeiro se preocupa em pintar os brasileiros nativos com cores de bom selvagem. Ele condescentemente diz, num espaço de duas ou três frases (não consigo achar o livro para citar precisamente), que os tupis eram uma cultura fraturada, com um estado permanente de guerra entre as tribos na qual se praticava canibalismo ritual, mas eram muito solidários. Agora, não estou defendendo o projeto colonial português; foi uma escravização e devastação em massa, uma obra iníqua, imoral, e sangrenta. Mas para admitir isto não precisamos atribuir ao povo vencido virtudes que não tinha. Você pode- se achar isto uma virtude- dizer que não tinham um sistema de posse sobre a terra; pode dizer que respeitavam a natureza; pode dizer que não eram afligidos pelo materialismo que é nossa maldição. Mas você não pode chamá-los de solidários. Não uso a palavra muito, então posso estar enganado, mas não creio que exista uma definição de solidário que permite que você a use para descrever um povo que guerreia constantemente contra seus vizinhos, e come seus oponentes capturados. Se a palavra pode ser usada assim, eu posso dizer que Genghis Khan- este grande unificador dos mongóis, esta indefesa figura tão difamada pelos historiadores ocidentais que servem os interesses do capital- era um homem muito solidário, apesar de seu embaraçoso hábito (mal compreendido hoje devido aos nossos fatores culturais burgueses e nosso vazio puritanismo cristão) de invadir a China. Ou as palavras tem significado ou não tem. Ou eles estão unidos ou estão se matando e canibalizando.

* Tenho um post todo preparado em minha mente sobre a Queda, Caim e Abel, e o poema do Igor; mas isto vai ter que esperar até mais tarde. Aguardem.

Os motivos são outros

O que me incomoda um pouco é ver atribuírem ao meu cristianismo algo que não passa de uma mera questão pessoal, de temperamento, ou seja lá qual for o nome mais apropriado para significar, às vezes, não mais que um gosto. Se não saio por aí matando todas as pessoas que julgo desnecessárias, longe de ser por falta de vontade, é por acreditar que o valor da vida humana independe do que quer que eu pense — e porque, além disso, os Evangelhos me ensinam não só a não matar, como também a amar ao meu próximo, até mesmo ao meu inimigo, às gentes menos merecedoras. Quando eu digo, portanto, que nunca matei uma única pessoa em toda a minha vida, é justo que creditem esse meu histórico à minha moral religiosa, que prevalece sobre o meu impulso natural. Por outro lado, quando digo, por exemplo, que não freqüento certos lugares, não alimento certos hábitos, não o digo por ser, a rigor, um cristão, mas por achar que tenho coisas melhores a fazer: — “Ah, você não gosta de sair pra dançar? Você é de alguma igreja?” — “Olha, minha amiga, por um grande acaso, obra mesmo do destino, eu pertenço a uma igreja. Mas o que é que isso tem a ver com o fato de eu preferir passar minhas noites de sexta e sábado em casa?” Sei que pode parecer um escândalo (mais até para os de dentro que para os de fora), mas não há ligação alguma entre a minha crença na Trindade e meu desgosto por cigarros; entre minha esperança na ressurreição e meu desinteresse por cerveja.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O núcleo do assunto,

Que é quase do tamanho do assunto inteiro, é sua parte mais confusa. Primeiro, eu não imaginava que fosse necessário descer a este nível de detalhamento. Pois bem: Há uma coisa chamada liberalismo que se pode aplicar à política prática; e outra que se pode chamar liberalismo econômico. O primeiro não deriva, e não depende, do liberalismo filosófico, mas o segundo sim.

As perguntas que se fazem, em política prática, são as seguintes: O que é necessário para a sociedade? O que é necessário para as pessoas? Feitas estas perguntas, chega a hora da mais importante em nosso confuso tempo: Quem o fará?

É neste domínio que se batem totalitaristas e anarquistas, e todos os ocupantes de sua escala. Quem vai oferecer linhas de trem, serviços telefônicos e estradas de rodagem? Quem vai garantir o vestuário e a alimentação das famílias? Quem vai escolher a cor das paredes da casa, o estilo dos móveis e a hora de dormir das crianças?

O liberal dirá que nada disso deve ser feito pelo governo. E nós também. Mas um liberal aceitará que uma empresa, possúida por um homem, faça não somente o trem e o telefone, mas também a escolha das cores da parede e da hora de dormir de seus filhos. E a isso dará o nome de individualismo, dizendo que nele o governo não manda.

Uma distinção que quase nunca se faz, para bem analisar esta questão, é a existente entre pessoa e indivíduo. O próprio Gustavo Corção diz, em Três Alqueires e uma Vaca, que não tenta essa distinção por temer não saber desenvolvê-la à Maritain, autor de quem ele aprendeu neste assunto. Vamos, portanto, tomar aqui apenas a definição de pessoa como um todo aberto, existencial até, em comércio (para não dizer comunhão e exasperar os céticos) com as outras pessoas, enquanto pessoas e enquanto sociedade. E indivíduo seria um todo fechado, que não comunga e nem mesmo possui qualquer comércio com as outras pessoas, exceto o da disputa.

Trata-se, portanto, de escolher para a sociedade uma definição que vá combinar com o que ali sejam as pessoas. Se a cidade é obra comum dos homens, e posse comum dos homens, ou se é a aglomeração das obras privadas dos indivíduos, mesmo que associados (e com que fim?).

Ao adotarmos a idéia de obra comum e posse comum, afastamo-nos imediatamente do capitalismo e do comunismo. No capitalismo, apesar da liberdade de domínio, a posse é uma coisa rara - e é essa sua maior vergonha. O maior fracasso de nosso tempo não acontece nas alfândegas e nos bancos internacionais, não importa o que os números digam. É na cidade, onde pessoas jovens, instruídas e dispostas não conseguem, com seu trabalho, ter casa, e a precisam alugar.

O que torna o capitalismo um pouco melhor, diríamos, é que nele pelo menos há uma possibilidade de posse, coisa que no comunismo não existe. E isto é verdade; mas não verdade eterna. Vamos reinvocar nosso Judeu Errante. O João acredita que, em nossa sociedade, o interesse que move as pessoas é simplesmente o lucro. Isto seria crível, se fosse possível; mas não é. Um sistema que trata de concentrar a propriedade até os níveis da extrema abstração, tirando das pessoas a casa e a roupa, não pode desejar o lucro, isto é, que a produção de riqueza seja mais veloz que o seu consumo; para isto ser possível, é necessário que ainda haja algum consumo, o que a própria tendência aglomerante do lucro vai dificultando até a impossibilidade.

É claro que a produção e o consumo não podem seguir um mesmo ritmo, e por isso o capital é desejável, como abstração da mesma riqueza que se produziu ou que se vai produzir. É uma prova da humanidade do comércio, porque se processa na inteligência, se apóia sobre uma convenção, isto é, um acordo e uma promessa, e pode ser associado livremente por seu possuidor a qualquer bem concreto que este deseje.

Mas a capitalização extrema e exagerada - o fato de que a maior parte do dinheiro do mundo existe apenas em registros nos sistemas de informática dos bancos - em si é má, por sua intenção e por seus frutos; mas antes é falsa, porque dissocia o símbolo de seu significado. Isto, com o tempo, gera loucura; uma loucura na qual o homem esquece de que não se pode comer o dinheiro, nem morar nele, nem se vestir dele; mas ainda mais impossível é fazer isso com dinheiro eletrônico, isto é, com o abstrato ao quadrado.

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Parece que eu já reclamei bastante, e por uma estranha etiqueta de nosso mundo moderno, devo sugerir uma terapêutica mesmo que não esgote o diagnóstico. Vamos a isto, então.

Quem de nós não acredita no muito humano desejo de posse? Quem duvida que mesmo no mais comunista dos mundos, ainda não desejaríamos uma casa para pintar da cor que quisermos, filhos para mandarmos dormir e um pudim para comermos então, junto a um cônjuge que escolhemos por nossa própria vontade? Quem duvida que esta é a imagem mais próxima que se pode ter, neste vale de lágrimas, do paraíso que perdemos um dia - e do qual temos todos uma memória mais ou menos viva?

O que sugiro, então, é que tomemos todas as nossas armas para defendermos nossa família, nossa casa e nossas coisas, as pequenas coisas que tantas vezes se sacrificam por nós: o tabuleiro que suporta o calor do forno para nos trazer um bolo, o livro que, mesmo maltratado pelos nossos dedos, nos ajuda a contar uma história para que o filho durma.

Os objetos, as boas coisas da casa, não são livres mas são fiéis. Quero crer que é de seu espírito a fidelidade que possuem. Que mesmo que os brinquedos acordem quando meu filho dorme, eles se apressam a voltar à passividade enquanto vêm a manhã, para servi-lo como ele desejar.

Por isso, então, sugiro: Defenda você a sua vida, a sua casa e as suas coisas. Mas acima disso defenda o seu direito de viver, de morar e de possuir, isto é, o meu direito, e o direito daquele mendigo que vai passando ali na esquina, e até mesmo o direito do Bill Gates: O direito que Deus nos outorgou no paraíso, e que nunca revogou, mesmo quando o condicionou ao suor do rosto, de ter vida, casa e um vinho decente para acompanhar um queijo honesto.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Voto Nulo

Eu opto sempre pelo voto nulo. Não por achar que, com ele, tenho possibilidade de mudar alguma coisa, mas porque, vivêssemos num país em que a liberdade individual fosse levada mais a sério, eu sequer votaria. Nas últimas eleições presidenciais, no entanto, lembro-me de ter votado em Alckmin — com o único propósito de impedir o segundo mandato de sabemos quem. Mas em nenhum momento cheguei a considerar as propostas do PSDB, como jamais considero proposta política alguma: — não importa quem são, o que pensam e no que crêem, se em Deus ou no diabo: — se chegarem aonde pretendem, isto é, aos cargos que almejam, é porque terão corrompido, pelo caminho, um tanto de pessoas e um outro tanto de princípios. Não porque, para fugir do clichê, o poder corrompa, mas simplesmente por serem brasileiros, e por terem que encarar, em razão disso, um processo viciado: — não há quem nele sobreviva sem imiscuir-se nos esquemas. Minha postura política é, por conseqüência, sempre negativa. Não apóio candidato algum, senão por, em alguma eventualidade, considerá-lo um mal menor, por temer um prejuízo ainda maior com a eleição de um candidato ainda pior, e por não ter, em resumo, a opção de não votar.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

XI.
Onde, neste labiríntico jardim
ocultarei a face?
antes, além de mim,
havia outro, até que o matasse.

Que marca me darás? Quem me guardará
dos terrores eternos?
a terra em que pisar
não há de me queimar com seu inferno?

Estes prados desertos encherão
Os feros vingadores
Do sangue de seu irmão,
Atrás de quem de novo trouxe as dores

Para seu povo; a velha maldição
Torna amargo o mais doce
Fruto, e vermelho o chão.
Se diferente a minha pena fosse

Seria por um delito diverso:
o golpe com a destra
foi são, mas foi perverso.
A minha inveja, esta maior e mestra

culpável do que em mim se passou:
Por ela achei ruim
Tudo, mas não o que dou.
Um boi é um magnífico capim,

Apenas um magnífico capim!
Não vale quem suou
Sob sol tão quente assim,
Não amas, pois, quem a chuva molhou

E nem por isso desistiu de arar
O chão, mesmo no inverno;
Nada vale plantar?
Não nos negaste o alimento eterno?

De onde tiraríamos o pão
senão de entre os suores
e da abnegação,
senão pulando do leito aos albores?

Não somos prisioneiros de teu não?
Somos! Se assim não fosse
tocava-me o perdão,
agora – e também quando meu irmão

Meu ódio mereceu: Desde o berço
A ele tu adestras,
E tudo quanto exerço
Ele o faz melhor, e te seqüestra,

Senhor, com uns bezerros! E a mim
Que ofertei doutra classe
O que podia; assim
Me repudias! Onde a minha face

Ocultarei neste infernal jardim?

Eu sou uma pessoa muito humilde, e até choro pelos pobres.

A propósito da parábola do fariseu e do publicano, Lc 18:9-14, é bonito notar como os cristãos modernos identificam-se, humildemente, com o segundo, apesar de orarem como o primeiro:

— Obrigado, Senhor, por eu não ser orgulhoso nem hipócrita como aquele cristão conservador, que, ao contrário de mim, ora de si para si.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

E mais um post político

Igor, é claro que concordo com você quanto ao fato de que se a sociedade viesse a Cristo ela seria curada; isto não está em disputa. Concordo que seria possível (embora não seja, tristemente, provável) a população inteira voltar para Deus. E concordo que as pessoas precisam parar de ver seus pecados como aspectos intrínsecos de suas vidas, e passar a vê-los como são, como escravidões e correntes que os prendem, e que precisam ser despedaçadas. Amar aos que nos cercam e criar nossos filhos no temor do Senhor- em tudo isto concordamos, e nisto fica claro que concordamos no essencial. Tendo dito isso...

O que Lewis está dizendo é justamente que uma "autoridade legitimamente exercida em nome de Deus" é quase uma impossibilidade. Em todo lugar em que já foi praticada ela resultou em perseguições e expulsões, exílios e torturas. Em todo lugar em que ela já existiu- até mesmo no trono de São Pedro- homens corruptos e famigerados de poder tomaram as rédeas desta autoridade e a usaram para seus próprios fins. Até em Israel os filhos de Eli se aproveitaram da autoridade de seu pai para roubar e dessacrar o altar de Deus, a ponto do povo clamar por aquela mais estranha e gentia das instituições. O povo, cansado de uma teocracia roubada pelos homens, implorou por um rei. E Deus, para ensinar-lhes uma lição em realpolitik, lhes deu Saul.

Está certo que esta sociedade nem merece ser governada diretamente por Deus- ora raios, nem os filhos de Deus merecem ser governados por Deus, injustos como somos. Mas o que Lewis diz, e eu concordo, é que nenhum grupo humano que existe hoje, nenhuma instituição atual, nenhuma igreja ou organização, ou coterie ou clã ou governo, merece o poder incontestável de uma teocracia. Ninguém tem a ficha tão limpa e um histórico tão honesto a ponto de assumir o status de governante político oficial em nome de Deus. O estado laico/liberal é horroroso, certo, mas ainda não é pior que um super-estado governado por manipuladores e zelotes, seja ele uma ditadura da igreja ou do proletariado.

E aqui está a diferença- e posso estar enganado, corrija-me se estou- entre nós. Você parece dizer, "A situação atual é atroz, tudo se corrigiria com o Regnum Christi na vida de todos; e as coisas seriam pelo menos melhores com um governo tipo monarquico/feudal. Do jeito que as coisas estão, voto nenhum faz diferença; vote nulo, tks." Eu digo, "A situação atual é atroz, tudo se corrigiria com o Regnum Christi na vida de todos; porém, a mera hipótese de uma monarquia ou governo religioso me dá calafrios; por isso, preciso ter alguma medida de fé na democracia, porque não vejo outra solução política; por isto voto, mesmo sabendo que há 90% de chance do patife no qual estou votando ser pior do que o patife que já ocupa o cargo." Você diz que nossa democracia é uma piada, e portanto tem alguma medida de fé numa alternativa futura; eu acho que as alternativas futuras propostas até agora são um carnaval de horrores, e por isso preciso ter alguma fé, por mais fraca que seja, na democracia atual. Não é que um é crédulo e o outro é cético; é que cada um desconfia daquilo no qual o outro é forçado pelas circunstâncias a confiar.

E já que você falou meio esnobemente do Lewis- e como sou um anão derivativo e copiador- vou apelar:

O ponto fraco do argumento que Carlyle faz em favor da aristocracia reside em sua frase mais celebrada. Carlyle disse que os homens são, em sua maioria, tolos. O cristianismo, com um realismo mais seguro e reverente, diz que todos os homens são tolos. Esta doutrina é ás vezes chamada da doutrina do pecado original. Ela também pode ser descrita como a doutrina da igualdade universal dos homens. O ponto essencial é este: qualquer perigo moral primário e abrangente que pode afetar um homem pode, de fato, afetar qualquer homem. Qualquer homem pode ser um criminoso, se tentado; qualquer homem pode ser um herói, se inspirado. E esta doutrina lança fora a confiança patética de Carlyle (e a confiança patética de qualquer outra pessoa) num grupo de "poucos homens sábios". Não existe um grupo de poucos homens sábios em poder. Toda aristocracia que já existiu se comportou, em todos os pontos essenciais, exatamente como uma pequena turba. Toda oligarquia é meramente um bando de homens na rua - isto é, uma coisa muito jovial, mas nunca infalível.

-- G. K. Chesterton, Heretics.

Termino aqui

Vocês já sabem o quê.

O João vem com C.S. Lewis pra cima de mim. C.S. Lewis chega a ser um bom autor, até, mas acho interessante como o João escolheu um texto em que ele apregoa um vago ceticismo político para contrastar com a minha série tão crédula que já recomendou o voto nulo duas vezes.

"Vote nulo" é o meu "Delenda Cartago". No restaurante, depois de pedir uma coca zero, sempre digo ao garçom: "Vote nulo, também, ok? tks". No banco, pago contas e peço ao caixa que vote nulo. Até depois de bom dia eu acrescento a tal fórmula. E C.S. Lewis, acreditando-se muito cético em política, me chama de intoxicado por defender que a política seja teorizável e demonstrável, mesmo sabendo que a vida das pessoas, das famílias, das cidades e nações não seja.

E é neste ponto que precisamos insistir, para salvaguardar tanto nossa teoria política quanto nossa vida pessoal. Certos democratas acreditam que a democracia consiste em que a vontade da maioria se traduza em lei. Como se diz na Torre de Marfim, a maioria gosta é de pão com merda - e de preferência com pouco pão. Dúvidas podem ser dirimidas aqui.

Minha alternativa, como já disse ao João, é o Regnum Christi. Que todos se convertam à Vera Cruz, e o problema político será o menor. Se isto acontecesse, até mesmo as piores estruturas políticas e econômicas passariam a funcionar e em tempo se alterariam para formas melhores.

"Ora, mas isto não é possível! Converter todas as pessoas? Toda uma população?"

Calma. É possível, sim. Basta você esquecer sua concepção de que uma religião é um clube, onde somente certo tipo de gente é bem vinda, e passar a aceitar uma religião que te aceitaria como você é.

"Como eu sou? Gostando de pornografia, mentiroso e preguiçoso?"

Meu amigo, isto não é você; estas coisas são carrapatos na sua casca. Arranque-os, lave-se, e você ficará sabendo quem é você, o quanto você vale e do que você é capaz.

A primeira necessidade será de se tratar melhor; ser melhor para você mesmo. Não se engane. O Cristianismo não tem nada a ver com se odiar, se aniquilar, etc. Santo Antão no deserto, sem comer, nem beber, estava fazendo um enorme bem a si mesmo - e quando Jesus nos diz que para segui-lo, devemos nos negar a nós mesmos, ele está pedindo para afirmar Jesus em nós; o que é vantagem pessoal.

Há, é verdade, dois tipos de amor de uma pessoa por si mesma, o que dificulta nosso entendimento. Posso desenvolver isto numa outra série de posts. Por agora, fiquemos com a certeza de que amar a si mesmo pode ser válido e bom, ou pode ser injusto e mau.

Depois disso, haverá a necessidade de tratar melhor as pessoas de sua casa. Seus pais e irmãos, seu cônjuge e filhos. Mas isso até os pagãos fazem! Então façamos melhor. Ame-mo-los, não segundo a carne, mas segundo seu espírito.

Quantas mães, "boas mães" na voz do mundo, providenciam para que seus filhos amados se alimentem, se agasalhem e estudem, mas esquecem de sua alma imortal? Quantas educam para que o filho tenha casa e carro, mas não para que ele possa ir para o céu?

Se até aí estivermos indo bem, será fácil amar também nossos vizinhos e compatriotas. Será perfeitamente possível trazer nossa contribuição para o bem comum, e será perfeitamente desejável usufruirmos juntos deste bem comum.

E numa sociedade onde o bem comum é o supremo objetivo material, pouco importa se temos uma monarquia, uma aristocracia ou uma democracia. Na verdade, embaixo desta máscara, tudo que temos é uma Teocracia; e um mundo onde já não se vê como ser governado por uma autoridade legitimamente exercida em nome de Deus pode ser melhor que o horroroso estado laico já não merece esta honra de ser governado em nome de Deus.

Um comentário pessoal: De todas as formas de governo, me parece que a superior é a Monarquia, pois é análoga ao Reino de Deus. E entre as formas econômicas, o feudalismo é superior por subentender lealdade e cooperação. No entanto, para o mundo moderno, é mais adequado o distributismo, isto é, o sistema econômico baseado no pequeno negócio, na pequena propriedade e na pequena fábrica. De fato, nenhum homem deveria ter fazendas do tamanho de estados; mas ainda pior é que muitos homens nem tenham cem metros quadrados para plantar alface.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Um tipo de intoxicação

O Igor ainda não terminou sua série de posts, mas já começo a meter minha colher com uma citação do C.S. Lewis, que pode ser levado como ponto inicial de minha defesa do liberalismo político como mal menor. Levanto o ponto agora justamente para ver sua resposta no post 3, Igor.

Sou um democrata porque creio que nenhum homem ou grupo de homens é bom o suficiente para ser confiado com poder descontrolado sobre outros. E quanto mais elevadas as pretensões de tal poder, mais perigosa a situação, tanto para os governantes quanto para seus sujeitos. Eis por que a teocracia é a pior forma de governo. Se um tirano for inescapável, é melhor que seja um plutocrata corrupto que um inquisitor. A crueldade do plutocrata pode ocasionalmente adormecer, sua cupidez pode em algum ponto ser saciada; e como ele sabe, mesmo que imperfeitamente, que aquilo que faz é errado, ele pode talvez se arrepender. Mas o inquisitor que confunde seu próprio medo, crueldade e paixão por poder com a voz de Deus irá nos atormentar infinitamente, pois ele nos atormenta com a plena aprovação de sua consciência, e considera seus melhores impulsos como tentações. E como a teocracia é o pior dos governos, quanto mais qualquer governo se aproxima da teocracia, pior ele será. Uma metafísica defendida por governantes com a força de uma religião é um mau sinal. Ela os proibirá, tal como ocorre com o inquisitor, de admitir qualquer grão de verdade ou bem em seus oponentes, abrogará as normas morais comuns, e sancionará como elevadas e supra-pessoais todas as paixões ordinárias às quais os governantes, como quaisquer outros homens, estarão sujeitos. Resumindo, esta condição proíbe dúvidas sãs. Na realidade, nenhum programa político pode alcançar mais que alguma probabilidade de estar correto; nunca conhecemos todos os fatos do presente, e podemos apenas adivinhar o futuro. Dar ao programa de um partido- que será, no máximo, razoavelmente prudente - o tipo de assentimento que deveriamos reservar apenas para teoremas demonstráveis é um tipo de intoxicação.

-- C.S. Lewis, A Reply to Professor Haldane